Kardec
sempre se preocupou com a necessidade de expressar os conceitos espíritas com
termos que não causassem confusão nem fossem considerados ambíguos. Da mesma
forma, ele sabia por experiência própria que o Espiritismo teria “principalmente,
no começo, de lutar contra ideias pessoais, sempre intransigentes, tenazes, difíceis
de se harmonizar com as ideias de outrem e contra a ambição dos que querem
ligar, a todo o custo, o seu nome a uma inovação qualquer, que inventam
novidades só para poderem dizer que não pensam e não fazem como os outros, ou
porque o seu amor próprio se revolta por terem de ocupar um lugar secundário”[1].
Desta citação, ouso cortar somente a
expressão “no começo”, pois se esta luta existia ao tempo de Kardec, hoje ela
parece estar ainda mais gritante. De um lado observamos médiuns estrelas,
considerados verdadeiros oráculos de sabedoria e editoras conduzidas por
médiuns psicógrafos, algumas criadas com o honesto e verdadeiro sentimento de
contribuir com a mensagem espírita, já outras nascidas apenas do orgulho ferido
do seu fundador por não terem as “suas obras” [DOS ESPÍRITOS, ressalve-se] o
reconhecimento que deveriam; Por outro lado, vemos trabalhadores dedicados ao
estudo da doutrina serem ignorados, escanteados mesmo, seja por não produzirem novidades
a todo o momento, seja pelo fato de não concordarem com estas supostas
novidades surgidas, normalmente, de uma interpretação apressada e equivocada
dos ensinos espíritas.
Normalmente, são por estes motivos que
as tentativas de adulteração doutrinária acontecem. Adulterar significa
deturpar, deformar, falsificar algo. Dentro do movimento espírita está
associado às tentativas de modificar os conceitos espíritas sem uma
fundamentação séria, consistente e coerente seja científica seja filosófica.
Normalmente as tentativas são equivocadas e fruto de puro desconhecimento dos
mais básicos princípios do Espiritismo. De outras, são fruto de mentes desencarnadas
ardilosas, especialistas em misturar o joio ao trigo, que articulam seus planos
no mundo espiritual e que as publicam no meio espírita através de médiuns invigilantes,
ingênuos e que só caem em suas armadilhas porque são imprudentes.
De acordo com José Herculano Pires, “qualquer
obra que pretenda superar Kardec ou subestimar a Doutrina Espírita precisa ser
submetida à prova de toque. E essa prova só pode ser feita de duas maneiras: de
um lado conferindo-se a pretensa superação com a obra de Kardec para
verificar-se qual das duas está mais coerente e apresenta maior coesão, maior
unidade e firmeza nos seus princípios; de outro lado, conferindo-se, como
recomenda o próprio Kardec, os princípios da pretensa superação com as
exigências do pensamento atual em todos os campos da nossa atividade mental”
[2].
Kardec sempre esteve atento a este
fato. Tanto que afirmou ser indispensável para a unidade futura do movimento
espírita que todas as partes da Doutrina fossem determinadas com clareza e precisão,
sem que nenhuma ficasse mal definida. “Neste sentido temos feito todo o esforço
para que os nossos escritos não se prestem a interpretações contraditórias e
esforçar-nos-emos por manter esta regra” [1]. Sobre este assunto, o codificador
elencou três pontos que considerou de importância capital para a unidade futura
do Espiritismo:
1)
O primeiro ponto é utilizar-se
sempre de uma linguagem objetiva, clara e precisa como “dois mais dois é igual
a quatro”. Desta forma, ninguém ousará dizer que é cinco. “Poder-se-ão formar,
fora da Doutrina, seitas que não adotem alguns ou todos os princípios; não no
seio dela, por interpretação do texto, como se tem formado, tão numerosa, sobre
o sentido das palavras do evangelho” [1]. Sobre este ponto indico para leitura
o texto “A importância da nomenclatura para a unidade futura do Espiritismo”
como forma de complemento e melhor compreensão das ideias aqui inseridas.
2) O
segundo tem a ver com a importância de não sairmos do círculo das ideias
práticas. Ou seja, “se é certo que a utopia de hoje se torna muitas vezes a
verdade de amanhã, deixemos que o futuro
realize a utopia de hoje, mas não enredemos a doutrina com princípios que
possam ser considerados quimeras e a tornem rejeitada pelos homens
positivos” [1]. Este ponto é perfeitamente aplicável às inúmeras novidades que
se publicam hoje na vasta literatura espírita: seja o perispírito com órgãos de
tipo físico, sejam os vários corpos que teria o perispírito, seja uma técnica
que se propõe a resolver todos os problemas obsessivos considerados ‘complexos’
ou a existência de crianças com nomes de pedras preciosas, todos estes assuntos
deveriam ser estudados com muito mais prudência e cautela pelos espíritas,
principalmente antes de serem divulgados. Utopias são consideradas verdade sem
um mínimo de pesquisa, estudo e reflexão. Normalmente, basta que um livro seja
publicado ou um médium a divulgue, principalmente se ele for famoso. Insere-se
aí a estapafúrdia ideia de se poder existir gravidez e reencarnação no mundo
espiritual. “Kardec sustentou sempre a
necessidade de pesquisas para a comprovação de certos dados transmitidos por
via mediúnica. Ele não aceitou as informações dadas por Mozart e Bernard
Palissy através do médium Camille Flammarion e nem mesmo considerou verídicos
os desenhos famosos de Victorien Sardou sobre a possível vida em Júpiter.
Acatou-as como manifestações curiosas da mediunidade e sugestões do que poderia
haver em mundos superiores à condição da Terra” [3]. Como seria bom se muitos
dos expositores espíritas, editores e escritores, não esquecendo os médiuns,
copiassem esta postura de Kardec no seu dia a dia. Teríamos um movimento
espírita muito mais maduro e coeso.
3)
O terceiro ponto tem a ver com a
característica essencialmente progressiva da doutrina. Kardec sempre cuidou de
não envolver o Espiritismo em sonhos irrealizáveis e nem por isso ela ficou
estática, imóvel. Entretanto, vale a pena deixar claro que mesmo “seguindo
[...] o movimento progressivo, cumpre-lhe
guardar a maior prudência e livrar-se dos devaneios, das utopias e de sistemas.
É preciso andar a tempo, nem muito depressa, nem muito devagar e com
conhecimento de causa” [1]. Ou seja, a doutrina vai evoluir, já que isso faz
parte da sua natureza, mas, deve ser com os pés no chão e não de forma
atabalhoada, sem estudo, sem critérios, sem pesquisa. É por isso que “antes de
pensar em ‘novas revelações’, o de que precisamos com urgência é de estudo
sistemático e mais aprofundado da obra de Kardec, incluindo não só os tomos da
Codificação mas também a Revista Espírita, por ele mesmo indicada como
indispensável ao bom conhecimento da doutrina” [4].
A compreensão exata e profunda destes
três pontos nos permite não só compreender melhor o Espiritismo e a sua força,
mas, e acima de tudo, nos auxilia no combate às tentativas de deturpação
doutrinária que vem surgindo no movimento espírita através de obras suspeitas.
É por isto que Kardec afirma que “a Doutrina tendo caminhado por esta via desde
a sua origem, seguiu avante constantemente, mas sem precipitação, examinando
sempre se é sólido o terreno em que põe o pé, e medindo os passos com respeito
à opinião. Tem andado como o navegante: de sonda nas mãos e consultando os
ventos” [1]. E é assim que deve andar o espírita antes de resolver publicar
qualquer novidade com o rótulo espírita, sempre investigando, pesquisando e
consultando os Espíritos através das esquecidas evocações.
Para finalizar, concordo com o J.
Herculano Pires quando afirma que “estudar Kardec, pondo de lado todas as
tentativas de desfiguração da mesma que foram semeadas no meio doutrinário por
seus pretensos superadores, já é uma contribuição, por modesta que seja, ao
reconhecimento da abnegação do mestre. E mais do que isso, o estudo sério, consciencioso, respeitoso dessa obra monumental, é
dever de todos os que a seguem como filosofia de vida, mesmo que tropeçando nas
pedras do caminho” [3].
Referências:
1.
KARDEC, Allan. Obras Póstumas. SP –
LAKE, 2007. Segunda Parte, p. 282 a 284.
2. PIRES,
J. Herculano. A Pedra e o Joio. 3ª Ed, SP – Paideia, 2005, p. 12.
3. ______.
O Mistério do Ser ante a Dor e a Morte. 3ª Ed, SP – Paideia, 1996, p. 41, 42 e 81.
4. RIZZINI,
Jorge. J. Herculano Pires – O Apóstolo de Kardec. 1ª Ed, SP – Paidéia, 2001, p. 246.
Anderson,
ResponderExcluirUma preciosidade esse texto. Sempre pensei que você poderia fazer uma coletânea dos melhores textos e publicar um livro.
Sei que você anda ausente devido aos estudos acadêmicos, bem sei o que é isso. Espere até chegar o momento da monografia...(risos) Contudo, não nos abandone...o Espiritismo precisa de estudiosos sérios como você.
Abraços
Ricardo,
ExcluirObrigado pelo comentário ao texto. Já pensei nisso, mas gostaria de produzir outros textos, com mais conteúdo e qualidade, além de outros inéditos para poder pensar nisto. Não sei se alguma editora toparia isto, tendo em vista que livros mediúnicos chamam mais atenção, pelo que tenho visto.
E sobre a monografia..kkk...Já estão querendo que eu pense na tese do mestrado, imagina a monografia...
Mas não abandonarei, posso demorar pra postar, mas estou me esforçando para não parar.
Abração
Anderson,
ExcluirVocê já pensou no Clube dos Autores? Eu gostei bastante do serviço deles. A impressão e o acabamento são de qualidade. Escrevi uma pequena obra espírita de forma despretensiosa, apenas para distribuir entre amigos e familiares. O pessoal vêm gostando do resultado.
Você poderia, se quiser, experimentar o serviço deles.
Meu blog: http://estudofilosoficoespirita.blogspot.com.br/
O Livro que escrevi: http://www.clubedeautores.com.br/book/129350--Espiritismo__Notas_Gerais
Tenho disponibilizado cópias gratuitas em PDF, caso tenha interesse: ricardo-malta@hotmail.com
Abraços.
Parabéns pelo texto
ResponderExcluirValeu Marcelo.
ExcluirE vamos pensar em nosso projeto.
Abração