Foi dito em artigo anterior que todo adepto do Espiritismo deve ser bastante cuidadoso ao emitir uma opinião sobre algum princípio espírita, notadamente quando tenta oferecer uma complementação ou o relaciona com alguma área de pesquisa científica atual como a Física Quântica.
O mesmo pode ser dito sobre tudo o que vem dos Espíritos. Vários artigos já foram publicados [1] sobre este assunto e recomendo a leitura dos mesmos. O objetivo deste artigo é analisar a mensagem psicografada por Carlos Baccelli de autoria do Espírito que se intitula como Inácio Ferreira. O título do texto é o mesmo deste artigo e pode ser lido no blog Mediunidade na Internet [2].
O autor espiritual inicia seu texto reclamando que de quando em quando são publicadas em sites, blogs e periódicos espíritas, críticas sobre Emmanuel e sua obra que quase sempre descambam para o aspecto pessoal, no qual nem os desencarnados são poupados. É muito curioso observar ele reclamar da crítica, pois é muito natural que após a publicação de um texto surjam outros emitindo pareceres, sejam eles elogiosos, sejam eles apontando os equívocos, os exageros, entre outras coisas. Cabe analisar o porquê dele não gostar da crítica. Acaso ela não serve para nada? Aconselho aqui a leitura do artigo O Valor da Análise Crítica para maior aprofundamento quanto a este tema. Sobre isto, já afirmava Kardec que
“Os Espíritos bons jamais se ofendem [com as críticas], pois eles mesmos nos aconselham a proceder assim e nada têm a temer do exame. Somente os maus se melindram e procuram dissuadir-nos, porque têm tudo a perder. E por esta mesma atitude provam o que são”.
E que
“A linguagem dos Espíritos superiores é sempre digna, elevada, nobre, sem qualquer mistura de trivialidade. Eles dizem tudo com simplicidade e modéstia, nunca se vangloriam, não fazem jamais exibição do seu saber nem de sua posição entre os demais. A linguagem dos Espíritos inferiores ou vulgares é sempre algum reflexo das paixões humanas. Toda expressão que revele baixeza, auto-suficiência, arrogância, fanfarronice, mordacidade é sinal característico de inferioridade. E de mistificação, se o Espírito se apresenta com um nome venerado” [3].
O que podemos inferir destas citações? Primeiro, que ele não é superior. Obviamente, se formos analisá-lo conforme nos orienta O Livro dos Médiuns, logo perceberemos que ele está situado entre a classe dos Espíritos inferiores e que os seus textos necessitam de extrema cautela ao serem lidos. Segundo, e não menos importante: se ele está no mesmo patamar que aqueles a quem ele deseja censurar, com que autoridade ele deseja avaliar se os críticos do Emmanuel têm gabarito moral e/ou doutrinário para emitirem pareceres sobre a sua obra? E ainda cabe mais um questionamento: como saber se este Inácio é aquele mesmo Inácio Ferreira, médico e a quem devemos respeitar a memória por tudo o que fez? Já houve alguma tentativa de realizar alguma forma de investigação que permitisse estabelecer a identidade deste Espírito como sendo o do médico desencarnado? Não é nossa intenção colocar em dúvida o trabalho do Baccelli, entretanto, questionamentos como esses não devem, nem deveriam, ser vistos como absurdos para quem conhece as dificuldades inerentes relacionadas a toda fenomenologia mediúnica. Em seguida ele comete um exagero difícil de deixar passar despercebido: afirma ser Emmanuel um dos integrantes da falange do Espírito da Verdade! Já pesquisamos um bocado e não encontramos justificativas para esta afirmação a não ser o desejo de fazer de uma opinião uma verdade (sem verificação). Embora exista uma mensagem em O Evangelho segundo o Espiritismo cujo autor assina como Emmanuel, como provar que este é aquele? Fundamentado em quais informações? Enxergo aí, e isto é uma hipótese, uma tentativa forçada de tentar legitimar toda a obra do Emmanuel, não através do que ela possa representar o que seria muito louvável, mas, através de uma pretensa ‘autoridade’ que ela possa adquirir com esta ligação com a falange do Espírito Verdade. Este é o tipo de informação que se encaixa na orientação do Codificador de que
“[...] Para tudo o que está fora do ensino exclusivamente moral, as revelações que alguém possa obter são de caráter individual, sem autenticidade, e devem ser consideradas como opiniões pessoais deste ou daquele Espírito, sendo imprudência aceitá-las e propagá-las levianamente como verdades absolutas” [4].
De acordo com a citação acima, seria imprudência, senão irresponsabilidade, divulgar como verdade verificada informações deste teor. Irresponsabilidade também é supor que todos os que criticarem Emmanuel ou qualquer Espírito que tenha psicografado através do Chico são necessariamente desprovidos de conhecimento doutrinário ou de autoridade moral. E é esta a atitude do Espírito em sua mensagem como já dissemos mais acima. Diferente é quando o ofensor não apresenta argumentos, somente agressões. Entretanto, estes são uma minoria, embora suas opiniões não devam ser ignoradas pelo simples fato de que podem nos apontar caminhos novos, quando bem analisadas. Já diria Santo Agostinho [ao falar sobre o autoconhecimento] que a opinião dos que são contra nós são desprovidas do desejo de nos agradar, portanto, não tem interesse em mascarar a verdade sob uma falsa noção de discrição e ‘sentimento caritativo’ e por isso, quando bem analisadas, elas podem ser valiosíssimas.
Da mesma forma querer atribuir ao Emmanuel a responsabilidade por intermediar o pensamento do Cristo e sem o qual o Espiritismo não teria se “caracterizado como o consolador prometido por Jesus, porque, evidentemente, na época em que viveu, Kardec teve que agir com a maior prudência a fim de que as suas obras não fossem censuradas pela Igreja” é um absurdo sem tamanho. Quer dizer que Jesus só tinha este Espírito em condições de servir de intermediário para transmitir seus pensamentos? Em lugar algum desta nossa vasta Terra se encontrariam outro médium e equipe espiritual em condições de fazer o mesmo? Este é um absurdo sem tamanho!
Como se pode ver, o audacioso “repórter do além” consegue a proeza de exagerar o papel do protetor do Chico dentro do movimento espírita e ainda distorcer a história. Sobre a Doutrina Espírita não ter se “caracterizado como consolador prometido”, é justamente o contrário o que encontramos em O Evangelho segundo o Espiritismo:
“Assim realiza o Espiritismo o que Jesus disse do consolador prometido: conhecimento das coisas, que faz o homem saber de onde vem, para onde vai e porque está na Terra, lembrança dos verdadeiros princípios da lei de Deus, e consolação pela fé e pela esperança” [5].
Convenhamos que isto seja muito mais do que se ‘caracterizar’ como consolador prometido! E todas as outras afirmações contidas em O Evangelho segundo o Espiritismo, focando apenas uma das mais de quinze obras que formam a base fundamental dos ensinos espíritas, afirmando que o Espiritismo cumpria a promessa do Cristo como Consolador? Será que o Inácio não tem tempo de estudar as obras fundamentais do Espiritismo no mundo espiritual? E as Revistas Espíritas, será que ele nunca as estudou? Pois para afirmar que Kardec teve de agir com prudência para que suas obras não fossem censuradas pela Igreja é ignorar o Auto de fé de Barcelona conforme relato encontrado na Revista Espírita de 1861, no mês de novembro. E as perseguições sofridas pelo codificador nos anos posteriores, tanto pelos clérigos quanto pela imprensa bem como pelos ‘cientistas’ da época, como nos contam as páginas da Revista? Cabe citar ainda o terceiro diálogo do livro O que é o Espiritismo onde Kardec debate com um Padre. Vale à pena reler aquele diálogo para comparar com o que o Inácio afirma ao se referir à prudência do codificador, ou se ele não está usando de retórica para beneficiar o Emmanuel e elevá-lo ao patamar de autoridade espiritual inquestionável.
O que se pode observar é que o ‘Dr. Inácio’ precisa estudar um pouco mais o Espiritismo e sua história e deixar desse desejo louco de “pô-los (os críticos de Emmanuel) em seu devido lugar, a fim de que se recolham à mediocridade que lhes é própria”. Até porque, nitidamente, este desejo reflete a inferioridade moral em que ainda se encontra, não merecendo a sua opinião o peso que tenta dar-lhe. Pois uma coisa é o desejo de defender a verdade, outra coisa é uma louca vaidade de querer mostrar que os outros estão errados e ele está certo...
Em outro ponto do seu texto não se sabe o que é pior: ele afirmar que Emmanuel reescreveu o Evangelho versículo a versículo, como o quinto evangelista que é ou afirmar que a obra mediúnica Paulo e Estêvão é a “mais fiel e completa história do Cristianismo nascente”... O que sobrou de prudência e sabedoria em Kardec faltou neste Espírito que se intitula ‘jornalista do além’! Onde estão os estudos históricos e os exames comparados que fundamentem esta opinião? Aonde o consenso universal para demonstrar esta autoridade do Emmanuel como ‘quinto evangelista’? Pois o único a afirmar isto é ele, Inácio Ferreira! O pior, é claro, é ver espíritas repetindo este discurso como se ele representasse a absoluta verdade. E convenhamos que um estudo de tal envergadura não seria ignorado com facilidade, principalmente se bem feito!
Contudo, ele não perdeu a chance de tentar transformar opiniões pessoais em lei! E usa de um expediente melodramático ao se desvalorizar [vide o penúltimo parágrafo do seu texto] com o intuito de comover o leitor e fazê-lo aceitar muito mais facilmente as suas idéias. Em outra parte do seu texto ele defende a tese de que Chico Xavier seria a reencarnação de Kardec. Particularmente, analisando o perfil psicológico dos dois, tamanha é a discrepância entre ambos que não consigo imaginar qual a razão de existir quem defenda esta opinião. Basta analisar a vida dos dois, seus comportamentos, suas posturas diante dos ataques dos seus adversários, dos problemas existenciais. Uma análise como esta não tem o objetivo de desvalorizar um e elevar o outro, mas, destacar que são duas personalidades distintas. E como sabemos que a discussão além de longa é polêmica, pois as razões nunca são suficientes para encerrar o assunto, neste momento basta dizer apenas que não vejo lógica nesta opinião. Aqui, até que se prove o contrário, o único e mais forte argumento é a especulação vazia. Ah! E ainda vale destacar que ele acusa os críticos de Emmanuel de agirem ‘sorrateiramente’ para contestar a tese acima. É oportuno ressaltar que quem contesta esta tese não age às escondidas, mas, ‘mostra a cara’ e apresenta os seus argumentos, muito diferente deste Espírito que fica a todo o momento jogando o seu veneno disfarçado de “defesa da verdade”. Isto fica evidente quando ele declara: “No momento, é tudo o que posso fazer por vocês, sem me importar se venham, ou não, integrar a lista daqueles que, igualmente, têm me difamado”. Convenhamos que não necessariamente quem faça uma crítica dos textos deste suposto Inácio Ferreira deverá ‘difamá-lo’. Mais uma vez, ele aqui abandona a argumentação racional e parte para a apelação emocional.
É por estas e outras que Kardec adverte que não devemos publicar tudo o que vêm dos Espíritos, ou, quando o fizermos, que seja com comentários e notas explicativas fundamentadas nos princípios espíritas. Pois nem sempre podemos ser juízes em causa própria – principalmente quando se trata de analisar algo que nós psicografamos. Existem muitos médiuns que se melindram com qualquer observação crítica feita sobre um material que, absolutamente, não é de sua autoria. É por isso que o médium deve cultivar a humildade, pois não ignorará nunca uma observação feita com base na lógica, no bom senso e fundada numa análise crítica. O médium orgulhoso, ao contrário, repelirá sistematicamente qualquer objeção crítica e se afastará de todos aqueles que não tiverem somente palavras elogiosas, mesmo que irrefletidas e extremamente superficiais, feitas mais para agradar do que para opinar. Não à toa, o codificador nos alerta, quanto ao que vem do mundo espiritual que
“Os Espíritos que formam a população invisível da Terra são de fato o reflexo do mundo corporal; encontramos neles os mesmos defeitos e as mesmas virtudes; há entre eles sábios, ignorantes e falsos sábios, prudentes e estouvados, filósofos, polemistas e sistemáticos; todos com seus antigos preconceitos e opiniões políticas e religiosas. Cada um diz o que pensa e o que falam quase sempre é opinião pessoal; eis por que não é para acreditar cegamente em tudo o que dizem os Espíritos” [6].
Este trecho é importantíssimo, pois reforça a necessidade de prudência para com tudo o que venha do mundo dos Espíritos. Principalmente reforça a necessidade de encararmos os ditados mediúnicos como opiniões pessoais dos Espíritos que podem ser justos ou injustos, abrangentes ou limitados, verdadeiros ou falsos. Entretanto,
“Não devemos julgar os Espíritos pelo aspecto formal e a correção do seu estilo, mas sondar-lhes o íntimo, analisar suas palavras, pesá-las friamente, maduramente e sem prevenção. Toda falta de lógica, de razão e de prudência não pode deixar dúvida quanto à sua origem, qualquer que seja o nome de que o Espírito se enfeite” [3].
Assim, nossa conclusão ao ler os escritos do Espírito Inácio Ferreira é que deve ser lido com muita prudência, pois da mesma forma que ele expressa algumas idéias aproveitáveis [embora neste texto tenham sido muito poucas], ele também expõem idéias contrárias aos mais elementares princípios espíritas e até ao mais rudimentar bom senso. Confunde, ou ignora momentos e informações importantes sobre a História do Espiritismo e faz afirmações que, se não analisadas com cuidado, correm o sério risco de serem divulgadas como se fossem verdadeiras. Então, que cada um leia e tire suas próprias conclusões como nós tiramos as nossas!
Referências:
[3] KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. LAKE. Cap. XXIV, item 266 e 267, 4ª questão.
[4] ________. O Evangelho segundo o Espiritismo. LAKE. Introdução, cap. II.
[5] ________. Idem. Cap. VI, item 04.
[6] PIRES, J. Herculano. Introdução ao Espiritismo. 1ª Ed. SP – Ed. Paidéia, 2009, p. 145.