Falar da Mostra Espírita é falar de um evento já tradicional na capital pernambucana. Que, como todo e qualquer evento com a temática espírita, tem a obrigação de levar ao público espírita e não espírita que faz questão de participar a verdade espírita, os princípios lógicos e racionais que a fundamentam e a realidade sobre o movimento espíritac com qualidade, seja ele como um todo, nacional, seja ele particularizado, regional, pernambucano.
Os palestrantes presentes foram Antonio Cesar Perri (DF), Frederico Menezes (PE), Sandra Borba (RN), Juselma Maria Coelho (MG), Spencer Júnior (PE), Wagner Gomes da Paixão (MG), Marival Veloso de Matos (MG) e Sérgio Ramos (PE). O evento aconteceu entre os dias 17, 18 e 19 de setembro. Bom, alguns leitores do meu blog já devem ter lido a outra resenha que fiz deste evento, no ano de 2008. Quem ainda não leu, aconselho que o leia, se quiser saber qual foi a nossa opinião sobre o mesmo [1].
Este ano o evento tem o objetivo de prestar uma homenagem a Francisco Cândido Xavier, mais conhecido como Chico Xavier, grande médium, homem boníssimo, mas que não escapou às imperfeições humanas. Entretanto, seu amor, sua compaixão pelo próximo auxiliam a que possamos mensurar a grandeza de tão bela alma. Embora saibamos que não existem médiuns perfeitos [2], deveríamos nos contentar com o fato de que “o melhor é o que, simpatizando somente com os bons Espíritos, tem sido enganado menos vezes”.
Entretanto, não é porque é “do Chico” que devemos aceitar toda e qualquer informação psicografada sem análise crítica [3] nem supor que nada de ‘equivocado’ possa vir por ele, pois isso só prova que se desconhece o Espiritismo, notadamente os ensinos contidos em O Livro dos Médiuns, livro básico, e até hoje primordial e atualíssimo. Até porque Chico não é, nem foi um santo, muito menos um Espírito Superior reencarnado na Terra. Sua vida é um exemplo de como um Espírito como qualquer um de nós, que deseja casar, ter filhos, sabe, viver como vivemos, consegue superar-se e doar-se, sacrificar-se para levar a bom termo seu mediunato [4].
A escolha da temática não é ruim, é muito boa, entretanto, ficamos nos questionando do ‘por que’ se colocar duas análises sobre duas obras bastante polêmicas e, uma em questão, bastante criticada e omitir a fantástica parceria existente entre Chico e Herculano Pires, considerado por Emmanuel como “o melhor metro que mediu Kardec”, quando este último tomou para si a incumbência de resgatar um espaço existente nos Diários Associados mal aproveitado para publicar textos com mensagens psicografadas de Emmanuel e do próprio Herculano com o pseudônimo de Irmão Saulo? Parceria esta que durou em torno de 10 anos?
Porque omitir a coragem que teve o Chico, estimulado por Herculano Pires, de se defender da acusação de ter sido o ‘mentor’ da primeira tentativa de adulteração de O Evangelho segundo o Espiritismo? Por que não falar dos livros publicados pelos dois (Astronautas do Além, Chico Xavier Pede Licença, Diálogo dos Vivos, Na Era do Espírito e Na Hora do Testemunho), em uma parceria prodigiosa, sendo este último, inclusive, um claro protesto e tentativa de esclarecimento sobre a questão da adulteração?
E a parceria entre o Chico e Waldo Vieira, antes dele se desgostar com o movimento espírita brasileiro e fundar a Conscienciologia? Quantos livros não foram publicados? Como o foram? Sabe, tinha tanta coisa boa, em vez de se ficar exaltando desnecessariamente o médium, colocando-o em um pedestal que ele nunca quis usar.
De todos os que usaram a tribuna, para mim os melhores foram Sandra Borba (RN), Spencer Júnior (PE) e Juselma Maria Coelho (MG). E como eu não desejo ultrapassar os limites de uma resenha irei comentar apenas estes três.
O tema proposto a Juselma foi “Resultantes da atuação de Chico Xavier aos sábados, na sombra do abacateiro”. Diferente de outras vezes eu gostei muito da palestra dela. Ela ressaltou a importância que os estudos sobre O Evangelho segundo o Espiritismo, feitos por Chico teve na vida de cada pessoa envolvida, citou histórias contadas por Chico, inclusive uma de Kardec sobre a intuição de seu desencarne e sua insistência em pedir para que sua esposa o representasse na inauguração da primeira livraria espírita do mundo, o que ocorreria um dia após o seu desencarne. Como não conheço esta estória, se ocorreu mesmo ou não, prefiro ficar com o benefício da dúvida, sem lançar descrédito sobre quem a contou.
A palestra de Spencer Júnior, muito conhecido aqui em Recife e em todo o estado teve como tema “Chico Xavier, uma vivência integral na prática do bem ao próximo”. Quem o conhece sabe que ele não consegue largar com facilidade o jargão técnico, o que, muitas vezes dificulta o entendimento do público não afeito à linguagem mais erudita, mais acadêmica. Entretanto, nesta palestra ele conseguiu intercalar algumas citações de Nietzche, por exemplo, ao chamar Chico de ”homem demasiadamente humano”, e outras de Kant e Montesquieu, no claro intuito de demonstrar que Chico nunca quis ser endeusado, tido como médium perfeito, muito menos como infalível, com outras sobre sua infância na louvável intenção de tornar mais clara a sua abordagem sobre o tema. Ele, o Chico, sempre teve noção do que era e de suas limitações, não desejando que suas obras, ou melhor, que as obras que psicografou fossem tidas como intocáveis e, muito menos, que os erros dos Espíritos fossem omitidos para salvaguardar o seu nome. E, ignorando a linguagem muito técnica usada algumas vezes, sua palestra foi ótima.
Sandra Borba Pereira veio em seguida com o tema “Considerações sobre a obra ‘Brasil Coração do Mundo, Pátria do Evangelho’”, a primeira das duas obras que chamei de polêmicas. Esta já recebeu inúmeras críticas por apresentar um Jesus que não sabe onde fica o Brasil, que precisa ser consolado e que apresenta um ‘anjo’ como protetor do Brasil. Inúmeras são as incoerências desta obra que em tempo futuro tentaremos abordar de maneira imparcial, como deve ser uma crítica espírita, tendo como bússola, acima de tudo, a Codificação deixada pelos Espíritos. Sandra gastou um tempo enorme ‘preparando’ os ouvintes e acabou falando de outros assuntos, assumindo aparentemente como verdadeira a tese esposada na obra, se detendo boa parte do tempo em falar de questões hermenêuticas e em trazer informações que referendassem as opiniões exaradas na obra. Ficamos um tanto desapontados pois de fato não houve uma apreciação crítica da obra, mas, ao menos, a palestra foi boa. Ela afirmou que “o intérprete tem consigo todo o conjunto das suas experiências” e que dentro do processo hermenêutico cada intérprete está condicionado ao seu horizonte cultural, a um contexto específico diferente do contexto muitas vezes analisado. Desta forma o autor do livro que deu origem a esta palestra, no caso Humberto de Campos, estava condicionado a um contexto específico, vivenciado em sua última experiência física. Entretanto, não vemos isto como desculpa para os inúmeros erros encontrados na obra, mesmo com toda a condescendência possível. Ela finalizou sua alocução citando um conselho dado por Kardec em seu opúsculo Viagem Espírita em 1862, de que os Espíritas e o Espiritismo precisavam manter em foco estes três conselhos: a importância da unidade doutrinária, para que não comecem a surgir ‘seitas’ ou ‘correntes’ discrepantes dentro do Espiritismo, desfigurando-o como aconteceu com o Cristianismo, criando um Espiritismo à moda da casa. Ou seja, quando encontramos na Codificação que o perispírito é UM órgão do Espírito, entendendo-se perfeitamente o que isto quer dizer, e que ele não possui órgãos, como podemos aceitar obras que digam o contrário sem realizar uma verdadeira análise crítica como as que Kardec fazia? O outro ponto é a necessidade de organização do movimento, em torno da Doutrina. A autoridade dos ‘centros maiores’ ou mais respeitados deve ser apenas moral e não material. A questão da organização do Espiritismo sempre foi algo que preocupou muito o Codificador pelo fato de que, já à sua época, muitos queriam usar o Espiritismo como alavanca para obter facilidades financeiras, cargos políticos e inúmeros outros interesses menos edificantes. O último ponto é a importância de nos mantermos unidos em torno de um mesmo ideal, no intuito de que não surgissem cismas, nem divisões fundadas em interesses egoístas, individuais. Ver o texto com o nome de Cismas na segunda parte de Obras Póstumas.
Bom, minha alegria em ter participado do evento foi enorme. Pude, além disso, fazer novos amigos, trocar experiências, e assistir a boas palestras. Espero que a temática da Mostra Espírita 2011 seja a comemoração dos 150 anos de O Livro dos Médiuns e que palestrantes como Dora Incontri, Sergio Aleixo, Cosme Massi, Astrid Sayegh, Heloísa Pires - filha do saudoso J. Herculano Pires - possam ser convidados para abrilhantar ainda mais este evento. Que Deus abençoe a presidenta da FEP, a senhora Ednar Santos, a coordenação que cuida do evento, todos os que de forma direta ou indireta contribuem para a organização do mesmo e que o ano que vem chegue repleto de bons palestrantes, boas vibrações e com O Livro dos Médiuns tendo o destaque que merece!
Abraços e até a próxima.
[1] http://analisesespiritas.blogspot.com/2008/10/um-rpido-olhar-sobre-xvii-mostra.html
[2] O Livro dos Médiuns, cap. XX, q. 9, p. 201, LAKE.
[3] http://analisesespiritas.blogspot.com/2010/05/o-valor-da-analise-critica.html
[4] Como informa Kardec no capítulo XXXII de O Livro dos Médiuns, esta palavra foi criada pelos Espíritos e significa “missão providencial dos médiuns”.