sábado, 28 de março de 2009

Kardec e a questão dos exilados

“As questões sobre a constituição física e os elementos astronômicos dos mundos se compreendem no campo das pesquisas científicas, para cuja efetivação não devem os espíritos poupar-nos os trabalhos que demandam” (O Livro dos Médiuns, nº 296, 32ª)

Caro leitor, Kardec sempre teve muito critério em analisar e aceitar como verdade, ou, no mínimo, como hipótese de valor, qualquer informação ou tese deduzida dos ensinos dos espíritos. Principalmente quando se tratavam de relatos sobre a constituição física de outros globos, estrelas ou o que fosse relativo a informes que dependessem diretamente das pesquisas e avanços da Ciência.

Desta forma, tentaremos ser bastante objetivos neste nosso artigo, tendo em vista a grande polêmica criada em torno de tal assunto. Queremos analisar, com a nossa opinião, o que diz a Codificação e oferecer uma base para que você possa formar sua.

Considerações iniciais

Antes de qualquer coisa, cumpre relembrar, ou tornar claro, que para Kardec “o princípio da reencarnação é uma conseqüência geral da Lei do Progresso”. Isto porque a reencarnação e a Lei do Progresso são pressupostos básicos para se compreender, e aceitar, não só a possibilidade de muitas existências no planeta Terra, como em outros mundos.

Diante deste fato, “que os espíritos saiam para um mundo mais avançado, deixando aquele sobre o qual nada mais possam adquirir (em conhecimentos), assim é, e assim deve ser; tal é o princípio. Se alguns há que antecipadamente deixam o mundo em que vinham se encarnando, isto é devido a causas individuais, que Deus pesa em sua sabedoria”. (grifos nossos)

Nos itens 35,36 e 37 de A Gênese, explica-se que os espíritos, em seu estado errante, compõem a “população espiritual ambiente do globo” e que, pelas mortes e renascimentos (emigrações e imigrações), há uma constante transfusão de elementos em ambos os planos da vida.

Considerando este princípio, podemos compreender que até as calamidades sociais e catástrofes que nos assombram e emocionam (um exemplo recente é o que aconteceu em Santa Catarina), tem um lado útil por permitir um saneamento espiritual e material no local onde acontece.

É o que nos explica Kardec:

“É notável que todas as grandes calamidades que dizimam as populações, são hoje seguidas de uma era de progresso na ordem física, intelectual e moral e, por conseguinte, no estado social dos que vivem naquele determinado povo onde se realizam. É que tiveram por finalidade operar um remanejamento na população espiritual, que é a população normal e ativa do globo”.

Entretanto, o que nos importar frisar e fixar é que “há, pois, emigrações e imigrações coletivas (e individuais) de um mundo para outro”.

A questão dos exilados

É pelos raciocínios acima que Kardec segue nos conduzindo até informar que, “segundo o ensino dos espíritos, é uma dessas grandes imigrações, ou se assim o quisermos, uma dessas colônias de espíritos de outra esfera, que deu nascimento à raça simbolizada na pessoa de adão, a qual por essa razão é denominada raça adâmica”.

Primeiramente, cabe enfatizar que Kardec afirma ser esta tese “segundo o ensino dos espíritos”, deduzida de várias opiniões e não de uma só, deste ou daquele espírito. Pois, foram eles mesmos que nos informaram que “para tudo o que está fora do ensino exclusivamente moral, as revelações que alguém possa obter são de caráter individual, sem autenticidade” e, o que é pior, “sendo imprudência aceitá-las e propagá-las levianamente como verdades absolutas”.

E aqui cabe um adendo: ele se refere às ‘revelações’, ou informes, que dependendo exclusivamente do valor que damos à opinião de tal ou qual espírito, possam ser acatadas como verdades incontestes sem a necessária análise e pesquisa e, não, àquilo que é deduzido do ensino de mais de um espírito por, no mínimo, mais de um médium, com todo o rigor possível e toda cautela necessária para tal verificação. Ele critica, enfim, a aceitação cega de uma simples opinião que carece, quando adentra o campo científico, de dados concretos que a comprovem ou que possam lhe dar viés de possível probabilidade.

Um segundo ponto importante é o em que Kardec deixa claro, segundo dedução do ensino dos espíritos, que esta colônia de espíritos exilados é uma dentre muitas que já vieram. Entretanto, esta seria a mais avançada de todas.

Um terceiro ponto que vale ressaltar é o pouco caso que deram os Espíritos e Kardec, à questão da origem planetária destes exilados. Isto pode ter sido por dois motivos:

1º) Pela inutilidade que esta informação teria, do ponto de vista moral, sendo algo de caráter secundário;

2º) Pela impossibilidade que Kardec tinha de comprovar tal informação, pelo pouco que existia de tecnologia disponível não só para as pesquisas astronômicas mas, para toda a Ciência.

E nisto vale ressaltar sua opinião: “[...] é sobretudo nas teorias científicas que precisa haver extrema prudência e guardar-se de dar precipitadamente como verdades alguns sistemas por vezes mais sedutores que reais e que, mais cedo ou mais tarde, podem receber um desmentido oficial (da Ciência). Que sejam apresentados como probabilidades, se forem lógicos, e como podendo servir de base a observações ulteriores, vá; mas seria imprudente tomá-los prematuramente como artigos de fé” (Revista Espírita, julho de 1860, exame crítico, observação geral).

Sendo assim, seja por que médium for, seja qual espírito for, têm que atender a estes requisitos para serem aceitos, de antemão, como probabilidades à espera da sanção do tempo que trará sua comprovação, ou não.

Controvérsias

E meu caro leitor, talvez confirmando o que você possa estar pensando, ou deduzindo, por ser alvo de constantes polêmicas, estes argumentos são válidos, sim, para a teoria da existência dos capelinos como exilados entre nós.

Pois quando um espírito nos informa, afirmando, que: “há muitos milênios, um dos orbes da Capela, que guarda muitas afinidades com o globo terrestre, atingira a culminância de um dos seus extraordinários ciclos evolutivos. As lutas finais de um longo aperfeiçoamento estavam delineadas, como ora acontece convosco, relativamente às transições esperadas no século XX, neste crepúsculo de civilização”, independente do nome que assine e do médium que receba a mensagem, ela deve ser analisada e aceita, a priori, como uma opinião apenas, à espera de outras opiniões e de dados científicos que a comprovem.

E assim sendo, ouso fazer alguns questionamentos:

1º) Se este orbe guarda afinidades com o globo terrestre e aqui excetua-se a hipótese de ser mera referência à população habitante, ou forma de organização social em si, como aceitar tal tese quando a Ciência afirma justamente o contrário?

Pois, conforme os especialistas no ramo, Capela não teria planetas, e mesmo que algum seja encontrado, não apresentaria nenhuma estabilidade, nenhuma condição que possibilitasse, ou que tenha possibilitado, nos últimos dois bilhões de anos, o surgimento de vida como a conhecemos. E antes que possam dizer que a vida poderia ser de tipo diferente, Emannuel, autor da tese acima analisada é quem afirma ter este orbe “muitas afinidades” com o nosso planeta. E quem diz afinidades diz semelhanças, tanto em estrutura, como em biodiversidade. E, portanto, não poderíamos afirmar que um planeta com a estrutura de Júpiter fosse ‘semelhante’, ou afim com o nosso.

Outra coisa, eles, os especialistas, têm por certo que só estrelas simples ocasionam probabilidades reais para o desenvolvimento de formas orgânicas. Capela, porém, é um sistema com nove estrelas (duas principais e mais sete) com tremendas instabilidades. Desta forma, excetuando uma pretensa vantagem espiritual, que opinião tem mais ‘peso’ e soa mais coerente?

E aqui, ainda, uma valiosa opinião de Kardec: “[...] Toda teoria em contradição manifesta com o bom senso, com uma lógica rigorosa, com os dados positivos que possuímos (cientificamente comprovados), por mais respeitável que seja o nome que assine, deve ser rejeitada” (O Evangelho segundo o Espiritismo, introdução, capítulo II).

Conclusão

Observemos com atenção que a existência de imigrações e emigrações tanto entre o plano espiritual e o nosso, como entre mundos está suficientemente provada e analisada nas obras da Codificação. Isto é conseqüência natural da Lei do Progresso e do dogma da reencarnação. A tese acima analisada, entretanto, já não cabe aqui como princípio, sequer como hipótese comprovada. Ela cabe tão somente como uma opinião individual, e só.

E isto não invalida todas as outras opiniões do autor de A Caminho da Luz, apenas demonstra que nem sempre ele sabe tudo e que pode errar. Saibamos tirar conclusões lógicas e não partir do raciocínio falso de que uma coisa está errada todo o resto pode estar. Esta é uma perigosa generalização que não raro conduz a equívocos enormes. Aprendamos a analisar as mensagens mediúnicas (ou dos encarnados) com todo o rigor que se espera para poder aceitar algo como verdade.

Pois como enfatizou Erasto: “Não admitais senão o que seja, aos vossos olhos, de manifesta evidência. [...] Melhor é repelir DEZ verdades do que admitir uma única falsidade, uma só teoria errônea. Efetivamente, sobre essa teoria poderíeis edificar um sistema completo, que desmoronaria ao primeiro sopro da verdade, como um monumento edificado sobre areia movediça [...]” (O Livro dos Médiuns, item 230).

Diante de tudo isto, meu caro leitor, lhe dou o direito de duvidar, bem como de aceitar minhas opiniões. Pesquise, analise, pergunte à ciência. Forme sua opinião com segurança, após intenso estudo. Entretanto, tome muito cuidado com as ‘verdades’ que aceita sem analisar.

Que Deus nos ilumine caros leitores!

Bons estudos!

Nota: Demos nossa opinião e sabemos que não tínhamos, nem queríamos, ter a pretensão de abordar todo o assunto. Ele teria de ser dividido em partes e não faz parte de meus planos tal empreitada para o momento. Espero que ter deixado claro, como ressaltado ao longo do texto, que a existência de espíritos exilados é fato e que de onde eles venham é um detalhe que nem sempre é necessário se apegar, pelos motivos expostos no texto acima. Repito, o que está em litígio não é o princípio doutrinário da existência de espíritos exilados de outros planetas habitando conosco mas, uma opinião pessoal de um espírito da qual fora criada toda uma teoria sem embasamento científico e contrariada, até agora, pelas informações e comprovações da Ciência. E como tento ser coerente com o Espiritismo neste ponto fico com a Ciência até segunda ordem.