terça-feira, 27 de maio de 2008

O Livro dos Espíritos e a Educação

A primeira característica de O Livro dos Espíritos, nem sempre percebida, é a sua forma didática. Não fosse Kardec um pedagogo, habituado à disciplina pestalozziana, e os Espíritos do Senhor não teriam conseguido na Terra um tão puro reflexo dos seus pensamentos. Mas a didática de Kardec nessa obra não se limita à técnica de ensinar. E uma didática transcendente insuflada pelo espírito, que mais se aproxima da Didática Magna de Comenius do que dos manuais técnicos dos nossos dias.

A Educação Espírita brota desse livro como água da fonte: espontânea e necessária. Logo na Introdução temos um exemplo disso. Não se trata apenas de introdução à obra, mas à Doutrina Espírita. Ao invés de uma justificativa e uma explicação do livro, temos uma abertura para a compreensão de todo o seu conteúdo e até mesmo da posição do Espiritismo no vasto panorama da cultura terrena, abrangendo as áreas até então conflitivas do Conhecimento e estabelecendo entre elas as ligações indispensáveis. Sim, indispensáveis porque o conflito entre as áreas culturais era o maior obstáculo à compreensão global do homem que o Espiritismo trazia.

Ainda agora, em nossos dias (década de 70), o Prof. Rhine assinalou a existência de várias concepções antropológicas conflitivas: a religiosa ou teológica, a científica ou materialista, a filosófica materialista ou espiritualista e assim por diante. (Ver O Novo Mundo da Mente, de J. B. Rhine.) O que a Parapsicologia se propõe a fazer, mais de cem anos depois, Kardec já realizara com O Livro dos Espíritos. Se os cientistas não perceberam isso, os espíritas por todo o mundo se beneficiaram com a nova concepção gestáltica e se incumbiram de propagá-la.

Bastaria isso para mostrar e provar que a didática de Kardec nessa obra transcendeu os limites puramente didáticos para atingir dimensões pedagógicas. Não poderíamos dizer que O Livros dos Espíritos é um tratado de Pedagogia, pois o seu objetivo específico não é a Pedagogia. Mas é evidente que se trata de um verdadeiro manual de Educação, no mais amplo e elevado sentido do termo. Seu objetivo explicito é ensinar e educar. O ensino ressalta desde as primeiras linhas e se desenvolve até as últimas, sem solução de continuidade. Mas esse ensino não se limita à transmissão de dados técnicos de informações culturais objetivas. Pelo contrário, projeta-se além desses dados e leva o estudante ao campo pedagógico da formação moral e espiritual. Ao terminar a sua leitura o estudante atento e perspicaz adquiriu novos conhecimentos, mas conquistou principalmente uma nova concepção do homem, da vida e do Universo. E mais do que isso, realizou o desígnio da sua própria existência, que é a sintonia do seu ser com o Ser Supremo: Deus.

O Sr. Sanson, materialista, lendo esse livro volta ao espiritualismo e se reencontra com Deus. Os caminhos da fé lhe eram vedados pela barreira do ilogismo religioso, mas O Livro dos Espíritos lhe demonstrou que entre os caminhos para Deus o da razão era o mais seguro. Este exemplo concreto e histórico, referido pelo próprio Kardec, mostra-nos a ligação das áreas culturais. Sanson ilustra essa ligação, como tantos outros o fariam mais tarde, ao atingir a fé pela razão.

Podemos dizer que, na Educação, segundo a conhecida proposição de Kerchensteiner¹, a Didática é o campo da cultura objetiva e a Pedagogia, que abrange naturalmente aquela, é o campo da cultura subjetiva. Mais de cem anos antes de Kerchensteiner fazer essa proposição Kardec já a havia utilizado com êxito na elaboração de O Livro dos Espíritos.

Pode-se alegar que essa não foi uma realização de Kardec, e sim dos Espíritos. Convém lembrar que a organização do livro, e até mesmo a sua fatura na produção do texto, através das perguntas que provocaram as respostas espirituais, estiveram a cargo de Kardec. Nessa prodigiosa elaboração os Espíritos contribuíram com a matéria-prima, mas Kardec foi o artesão paciente e lúcido, esclarecido e capaz.A preocupação de Kardec com as palavras, por exemplo, revela o cuidado do professor terreno que tem de aplicar os termos com exatidão para se fazer compreender. Os Espíritos não se importavam com isso, como muitas vezes disseram ao mestre, pois o que lhes interessava era o pensamento e seu significado intrínseco, sua substância. Mas Kardec estava encarnado — era o homem no mundo — e por isso mesmo atento aos problemas do mundo. Vemos na Introdução como ele, logo de início procura e consegue definir com clareza os termos para que "a ambigüidade das palavras" não leve o leitor a confusões perigosas ou os possíveis exegetas a interpretações deturpadoras.

O Resumo da Doutrina dos Espíritos, que encontramos na Introdução, é outra prova do trabalho pessoal de Kardec e da maneira por que ele sabia colocar a Didática em função da Educação, entrosando-a na Pedagogia não só como instrumento de ensino, mas sobretudo como função pedagógica. A leitura atenta e meditada desse resumo seria suficiente para esclarecer um leitor realmente interessado no assunto e predispô-lo à renovação interior. Nesse sentido, podemos dizer que Kardec realizou o sonho de Pestalozzi: deu ao mundo uma forma viva de ensino que ao mesmo tempo informa e forma, instrui e moraliza.

A dinâmica pedagógica de O Livro dos Espíritos teria impedido o desvirtuamento da Educação através do pragmatismo educacional, se porventura os pedagogos do século XX o tivessem encarado com isenção de ânimo e os cientistas, na sua maioria, não se tivessem deixado embriagar pelas teorias materialistas.

[Fonte: Pedagogia Espírita, José Herculano Pires. ]


¹ - Quem foi Georg Kerschenteiner citado por Herculano no artigo acima?

Kerschensteiner ensinou em todos os níveis de ensino e exerceu funções públicas de conselheiro escolar da cidade de Munique e real comissário das escolas bávaras. Na Universidade de Munique, foi professor de Teoria da Educação. As suas maiores influências pedagógicas foram Pestalozzi e Dewey, embora também tenha tido grandes afinidades com Eduard Spranger.

"Em Kerschensteiner a teoria brota naturalmente da prática, ou melhor, uma e outra estão em intercâmbio permanente. Sustentava, como o seu mestre Pestalozzi, que todo o ensino deve adaptar-se aos graus de desenvolvimento do espírito, pois a educação verdadeira só se realiza mediante o encontro fecundo de um espírito receptivo com os bens culturais de acordo com o dito espírito".

>>> http://www.eses.pt/usr/ramiro/docs/etica_pedagogia/ebook_hist_idpedag/Cap%2035%20Georg%20Kershensteiner.pdf
>>> http://www.espirito.org.br/portal/artigos/ednilsom-comunicacao/dij-fep/nasc.html
>>> http://pt.wikipedia.org/wiki/Georg_Kerschensteiner

Existem mais artigos, mas por serem ou em língua estrangeira, ou super resumido, preferi deixar estes, que servem como informativo.

Abraços e bom estudo!

sexta-feira, 16 de maio de 2008

O Livro dos Espíritos

Até a publicação desta obra, os problemas espirituais eram tratados de maneira empírica ou apenas imaginosa. Com ela, o espírito e seus problemas saíram do terreno da abstração, para se tornarem acessíveis à pesquisa experimental. O sobrenatural tornou-se natural. Tudo se reduziu a uma questão de conhecimento das leis que regem o universo”.
(J.Herculano Pires na sua ‘Introdução ao Livro dos Espíritos’, edições LAKE)


A 18 de abril de 1857, numa livraria em Paris, é lançado um livro que traria uma proposta revolucionária para a humanidade. O Livro dos Espíritos, escrito por ordem e sob o ditado dos Espíritos Superiores, é um trabalho vigoroso, um tratado de Filosofia da mais alta magnitude, e nada contém que não seja a expressão dos seus pensamentos.

“O livro começa pela metafísica, passando depois à cosmologia, à psicologia, aos problemas propriamente espíritas da origem e natureza do espírito e suas ligações com o corpo, bem como aos da vida após a morte, para chegar, com as leis morais, à sociologia e à ética, e concluir, no Livro IV, com as considerações de ordem teológica sobre as penas e os gozos futuros e a intervenção de Deus na vida humana. Todo um vasto sistema, numa estrutura livre e dinâmica, em que os problemas são postos em debate (...).

“(...) A simplicidade de “O Livro dos Espíritos” não chega ao ponto de nos obrigar a adaptar sistemas antigos aos nossos princípios, como aconteceu a Santo Agostinho e São Tomaz, em relação a Platão e Aristóteles, para a criação da chamada filosofia cristã”.

“Por outro lado, é curioso notar que “O Livro dos Espíritos” se enquadra numa das formas clássicas e mais fecundamente livres da tradição filosófica: o diálogo”(¹).

Sua primeira edição, que constava de 501 e uma perguntas e respostas, foi reformulada e ampliada, após a segunda edição, para 1 019. As razões o próprio Kardec as dá:

“Na primeira edição desta obra, anunciamos uma parte suplementar. Ela deveria se compor de todas as perguntas que não encontraram ali lugar, onde as circunstâncias ulteriores e novos estudos deveriam dar nascimento; mas como são todas elas relativas, há algumas das partes já tratadas e das quais são o desenvolvimento, sua publicação isolada não apresentaria nenhuma continuidade. Preferimos esperar a reimpressão do livro para fundir todo o conjunto, e nisto aproveitamos para dar, na distribuição das matérias, uma ordem muito mais metódica, ao mesmo tempo que podamos tudo o que tinha duplo emprego. Esta reimpressão pode, pois, ser considerada como uma obra nova, embora os princípios não hajam sofrido nenhuma mudança, com um número muito pequeno de exceções, que são antes complementos e esclarecimentos que verdadeiras modificações”.(²)


O Livro dos Espíritos, desta forma, não é apenas o marco inicial da Doutrina Espírita, mas, é antes o arcabouço de onde tudo se baseia, se fundamenta, o núcleo de onde as outras obras retiram seu material para o desenvolvimento de suas teses, um núcleo semelhante ao que os ensinos do Cristo representam para o Evangelho.

Dentro de um esquema que tentaremos traçar, inspirados na ‘Introdução ao O Livro dos Espíritos’, de J.Herculano Pires, veremos o seguinte:

1) Podemos encontrar nele mesmo, uma parte que lhe corresponde: são os livros I e II, até o capítulo quinto;
2) ‘O Livro dos Médiuns’, seqüência natural deste livro, que trata especialmente da parte experimental da Doutrina, tem sua fonte no Livro II, a partir do capítulo sexto até o final.
3) ‘O Evangelho segundo o Espiritismo’ é uma decorrência natural do Livro terceiro: As Leis Morais. Tratando-se especialmente da aplicação dos princípios da moral evangélica, bem como dos problemas da adoração, da prece e da prática da caridade.
4) ‘O Céu e o Inferno ou a Justiça Divina segundo o Espiritismo’ decorre do Livro IV, “Esperanças e Consolações”, onde são estudados os problemas referentes às penas e aos gozos terrenos e futuros, as penas eternas, etc.
5) ‘A Gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo’ relaciona-se aos capítulos II, III e IV do Livro I, e capítulos IX, X e XI do Livro II, assim como as partes dos capítulos do Livro III que tratam dos problemas genésicos e da evolução da Terra.

“Num estudo mais amplo e profundo, seria possível mostrar-se o desenvolvimento de certos temas, que apenas colocados pelo “O Livro dos Espíritos” vão ter a sua solução em obras posteriores. É o que se verifica, por exemplo, com as ligações do Cristianismo e o Espiritismo, que se definem completamente em “O Evangelho”, ou com o problema controvertido da origem do homem, que vai ter a sua explicação definitiva em “A Gênese”, ou ainda as questões mediúnicas, solucionadas no “O Livro dos Médiuns”, e as teológicas e escriturísticas, no “O Céu e o Inferno”.

“Esta rápida apreciação da estrutura de “O Livro dos Espíritos”, em suas ligações com as demais obras da codificação, parece-nos suficiente para mostrar que ele constitui, como dissemos, no início, o arcabouço filosófico do Espiritismo. Contém, segundo Kardec declarou no frontispício, “Os princípios da Doutrina Espírita”. É, portanto, o seu tratado filosófico.

“Por tudo isso, vê-se que Kardec, sem ser o que se pode chamar um filósofo profissional, tinha muita razão ao afirmar, no capítulo VI da “Conclusão”, referindo-se ao Espiritismo: ‘Sua força está na sua filosofia, no apelo que faz à razão e ao bom senso’”.(¹)


Bibliografia:

(1) Pires, J. Herculano, ‘Introdução ao O Livro dos Espíritos, introdução redigida, por ocasião do lançamento especial da LAKE, de sua tradução de “O Livro dos Espíritos”, em comemoração ao seu centenário em 18 de abril de 1957.

(2) Kardec, Allan, Revista Espírita, março de 1860.

Espiritismo e Espiritualismo

por Allan Kardec, em 1857

Para as coisas novas necessitamos de palavras novas, pois assim o exige a clareza de linguagem, para evitarmos a confusão inerente aos múltiplos sentidos dos próprios vocábulos. As palavras espiritual, espiritualista, espiritualismo têm uma significação bem definida; dar-lhes outra, para aplica-las à Doutrina dos Espíritos, seria multiplicar as causas já tão numerosas da anfibologia.

Com efeito, o espiritualismo é o oposto do materialismo; quem quer que acredite haver em si mesmo alguma coisa além da matéria é espiritualista; mas não se segue dai que creia na existência dos Espíritos ou em suas comunicações com o mundo visível.

Em lugar das palavras espiritual e espiritualismo, empregaremos, para designar esta última crença, as palavras espírita e espiritismo, nas quais a forma lembra a origem e o sentido radical e que por isso mesmo têm a vantagem de ser perfeitamente inteligíveis, deixando para espiritualismo a sua significação própria.

Diremos, portanto, que a Doutrina Espírita ou o Espiritismo tem por princípio as relações do mundo material com os Espíritos ou seres do mundo invisível. Os adeptos do Espiritismo serão os espíritas, ou, se o quiserem, os espiritistas.

(Fonte: O Livro dos Espíritos, Introdução, item I)
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Comentário:

No dicionário Aurélio, encontramos o seguinte:

§ Es.pi.ri.tua:lis.mo. sm. Doutrina cuja base é a prioridade do espírito com relação às condições materiais. § es.pi.ri.tua:lis.ta adj2g.s2g.

Ou seja, é uma doutrina [ou várias] cuja finalidade é despertar em nós a importância da espiritualização, em relação ao apego aos bens materiais que nutrimos durante nossa vida. É desta forma, oposto ao materialismo. E sendo assim, todo espírita é por natureza espiritualista.

Mas uma observação de Kardec em O Que é o Espiritismo vem nos socorrer de uma provável confusão que possamos fazer:

"Todo espírita é necessariamente espiritualista, mas nem todos os espiritualistas são espíritas".

Pois que podemos acreditar numa vida espiritual sem acreditar nos espíritos e suas manifestações, sem acreditar na reencarnação, entre outros motivos.

Esta diferenciação ainda se faz imperiosa por dois motivos:

1) A necessidade básica que a Ciência Espírita exigiu desde seu nascimento: clareza. Pois não tem como ser objetiva e precisa se não for clara, transparente em seus conceitos e princípios, além de que, sendo uma ciência, tal qual as demais, precisava ela também de termos claros que se adequassem às idéias e conceitos ali concernentes. Portanto, clareza, objetividade, precisão e uma nomenclatura adequada são características estas inerentes à sua natureza científica.

2) Sendo o Espiritualismo extremamente diversificado, qualquer crítica aos espíritas geraria uma tremenda confusão, por não saber ao certo a quem se estava dirigindo, pois seriam todos espiritualistas.


***
Kardec é quem explica e afirma, na obra já citada, que sem estes termos, veríamos a produção de enorme confusão se fossem dirigidos ao Espiritualismo e aos Espiritualistas, as críticas endereçadas aos espíritas, em específico.

E a crítica, que por vezes se faz a estes termos, provém, em muito, de pessoas afeitas a tudo criticar e pouco analisar. Alegar, como o fazem muitos, com o argumento de que sendo apenas um rótulo, e como tal se faz desnecessário porque passageiro, temporário, apenas confirma, como explicitou Kardec, que "prender-se a semelhantes bagatelas é provar que se tem pouco de boas razões".

Enfim, "eles [os termos] ocupam o vértice da coluna da nova ciência; para exprimir fenômenos especiais dessa ciência, tínhamos necessidade de termos especiais" e "ainda que os espíritos fossem uma quimera, havia utilidade em adotar termos especiais para designar o que a eles se refere; porque as falsas idéias, como as verdadeiras, devem s expressas por termos próprios".

"O Espiritismo possui hoje a sua nomenclatura, tal qual a Química".



Um forte abraço e bons estudos!


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Anexo: o texto contido em O Que é o Espiritismo e que elucida, de forma clara e lógica, algumas questões referentes a estes problemas. Está contido no segundo diálogo, O Céptico:

Visitante. Eu vos perguntaria, primeiro, que necessidade haveria de criar as palavras novas de espírita, Espiritismo para substituir as de Espiritualismo, espiritualista, que estão na linguagem popular e compreendidas por todo o mundo? Já ouvi alguém tratar essas palavras de barbarismos.

Allan Kardec . A palavra espiritualista, desde muito tempo, tem uma significação bem definida; é a Academia que no-la dá: ESPIRITUALISTA é aquele ou aquela cuja doutrina é oposta ao materialismo.

Todas as religiões, necessariamente, estão baseadas no Espiritualismo. Quem crê haver em nós outra coisa além da matéria, é espiritualista, o que não implica na crença nos Espíritos e nas suas manifestações. Como vós o distinguiríeis daquele que o crê? Precisar-se-ia, pois, empregar uma perífrase e dizer: é um espiritualista que crê, ou não crê, nos Espíritos.

Para as coisas novas, é preciso palavras novas, se se quer evitar equívocos. Se eu tivesse dado à minha Revista a qualificação de Espiritualista, não lhe teria de, modo algum, especificado o objeto, porque, sem faltar ao meu título, poderia não dizer uma palavra sobre os Espíritos e mesmo combatê-los.

Eu li, há algum tempo em um jornal, a propósito de uma obra filosófica, um artigo onde se dizia que o autor o havia escrito sob o ponto de vista espiritualista. Ora, os partidários dos Espíritos ficariam singularmente desapontados se, na confiança dessa indicação, tivessem acreditado nela encontrar a menor concordância com suas idéias.

Portanto, se adotei as palavras Espírita e Espiritismo, é porque elas exprimem, sem equívoco, as idéias relativas aos Espíritos.

Todo espírita é, necessariamente, espiritualista, sem que todos os espiritualistas sejam espíritas.

Fossem os Espíritos uma quimera e seria ainda útil existirem termos especiais para aquilo que lhes concerne, porque são necessárias palavras para as idéias falsas como para as idéias
verdadeiras.

Essas palavras não são, aliás, mais bárbaras que todas aquelas que as ciências, as artes e a indústria criam cada dia. Elas não o são, seguramente, mais que as que Gall¹ imaginou para sua nomenclatura das faculdades, tais como: Secretividade, alimentividade, afecionividade, etc.

Há pessoas que, por espírito de contradição, criticam tudo que não provém delas e desejam aparentar oposição; aqueles que levantam tão miseráveis contestações capciosas, não provam senão uma coisa: a pequenez de suas idéias. Prender-se a semelhantes bagatelas é provar que se tem pouco de boas razões.

Espiritualismo, espiritualista, são as palavras inglesas empregadas nos Estados Unidos desde o início das manifestações: delas se serviu, primeiro, por algum tempo, na França. Mas, desde que apareceram as palavras Espírita e Espiritismo, compreendeu-se tão bem sua utilidade, que foram imediatamente aceitas pelo público.

Hoje o uso delas é de tal modo consagrado, que os próprios adversários, os que primeiro as apregoaram de barbarismo, não empregam outras. Os sermões e as pastorais que fulminam contra o Espiritismo e os espíritas, não poderiam, sem confundir as idéias, lançar anátema sobre o Espiritualismo e os espiritualistas.


Bárbaras ou não, essas palavras doravante passaram para a linguagem popular e em todas as línguas da Europa. Só elas são empregadas em todas as publicações, pró ou contra, feitas em todos os países. Elas formaram o sustentáculo da nomenclatura da nova ciência; para exprimir os fenômenos especiais dessa ciência, foram precisos termos especiais. O Espiritismo tem, de hoje em diante, sua nomenclatura, como a química tem a sua².

As palavras Espiritualismo e espiritualista, aplicadas às manifestaçõesdos Espíritos, não são mais empregadas hoje, senão pelos adeptos daescola dita americana.
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(1)Franz Joseph Gall (1758-1828): Franz Joseph Gall nasceu em Baden, Alemanha, em 9 de março de 1758.
Gall estudou medicina em Viena, e se tornou um renomado neuroanatomista e fisiologista. Ele foi pioneiro no estudo da localização das funções mentais no cérebro. Por volta de 1800, ele desenvolveu a "cranioscopia", um método para adivinhar a personalidade e desenvolvimentos das faculdades mentais e morais com base na forma externa do crânio. Cranioscopia (cranium=crânio, scopos=visão) foi posteriormente renomeada como frenologia (phrenos=mente, logos=estudo) por seus seguidores. [ http://www.cerebromente.org.br/n01/frenolog/frengall_port.htm ] (nota minha)



(2) Essas palavras, aliás, hoje têm direito de burguesia, pois estão no suplemento do Petit Dictionnaire des Dictionnaires Français, extraído de Napoleón Landais, obra que se tira em vinte mil exemplares. Nela se encontra a definição e a etimologia das palavras: erraticidade, medianímico, médium, mediunidade, perispírito, pneumatografia, pneumatofonia, psicográfico, psicografia, psicofonia, reencarnação, sematologia, espírita, Espiritismo, estereorito, tiptologia. Elas se encontram igualmente, com todo o desenvolvimento que comportam, na nova edição do Dictionnaire Universel de Maurice Lachâtre. (nota da Ed. IDE)




quinta-feira, 15 de maio de 2008

A Missão dos Espíritos

Os trechos a seguir, retirados de respostas às questões 627 e 628 de O Livro dos Espíritos, retratam de maneira resumida a utilidade dos ensinamentos dos Espíritos, a necessidade da maior clareza possível em seu ensino, e, acima de tudo, nos demonstrar que com a chave dada pelo Espiritismo podemos compreender uma infinidade de assuntos e problemas que nos pareciam sem razão, sem respostas, de máximas perdidas em uma confusão de idéias, além de nos permitir um melhor direcionamento em nossos estudos futuros, além de em nossas próprias vidas.

Ei-los:

"Nossa missão é a de espertar os olhos e os ouvidos para confundir os orgulhosos e desmascarar os hipócritas: os que afetam exteriormente a virtude e a religião para ocultar as suas torpezas. O ensinamento dos Espíritos deve ser claro e sem equívocos afim de que ninguém possa pretextar ignorância e cada um possa julgá-lo e apreciá-lo com sua própria razão.

Estamos encarregados de preparar o Reino de Deus anunciado por Jesus, e por isso é necessário que ninguém possa interpretar a lei de Deus ao sabor de suas paixões, nem falsear o sentido de uma lei que é toda amor e caridade.(1)

[...]

É necessário que cada coisa venha ao seu tempo. A verdade é como a luz: é preciso que nos habituemos a ela pouco a pouco, pois de outra maneira nos ofuscaria.

Jamais houve um tempo em que Deus permitisse ao homem receber comunicações tão completas e tão instrutivas como as que hoje lhe são dadas.

Havia na Antiguidade, como sabeis, alguns indivíduos que estavam de posse daquilo que consideravam uma ciência sagrada e da qual faziam mistério para os que consideravam profanos. Deveis compreender, com o que conheceis das leis que regem esses fenômenos, que eles recebiam apenas verdades esparsas no meio de um conjunto equívoco e na maioria das vezes alegórico.

Não há, entretanto, para o homem de estudo, nenhum antigo sistema filosófico, nenhuma tradição, nenhuma religião a negligenciar, porque todos encerram os germes de grandes verdades, que, embora pareçam contraditórias entre si, espalhadas que se acham entre acessórios sem fundamento, são hoje muito fáceis de coordenar, graças à chave que vos dá o Espiritismo de uma infinidade de coisas que até aqui vos pareciam sem razão, e cuja realidade vos é agora demonstrada de maneira irrecusável.

Não deixeis de tirar temas de estudo desses materiais. São eles muito ricos e podem contribuir poderosamente para a vossa instrução.(2)

Notas dos comentários de rodapé feitos por José Herculano Pires, tradutor:

(1) Comparar esta resposta com a mensagem do Espírito de Verdade colocada por Kardec como prefácio de “O Evangelho Segundo o Espiritismo”. Como se vê, desde os primeiros momentos, os Espíritos anunciaram que a finalidade da doutrina era o restabelecimento do Cristianismo. (N. do T.)

(2) Os textos sagrados das grandes religiões, como a Bíblia e os Vedas, os sistemas de antigos filósofos, as doutrinas de velhas ordens ocultas ou esotéricas, todos encerram grandes verdades nas suas contradições aparentes. Os espíritas não devem recuar diante desses sistemas ou ver-lhes apenas as contradições, quando possuem a chave do Espiritismo, com a qual estão aptos a decifrar-lhes os enigmas, descobrindo seus poderosos motivos de esclarecimento. Também nos sistemas modernos de filosofia ou de ciência, por mais contrários que pareçam aos espíritas, uma análise verdadeiramente espírita poderá revelar a existência de grandes verdades. (N. do T.)

Anexo: Prefácio de O Evangelho segundo o Espiritismo, citado por J. Herculano Pires:

"Os Espíritos do Senhor, que são as virtudes dos céus, como um imenso exército que se movimenta, ao receber a ordem de comando, espalham-se sobre toda a face da Terra. Semelhantes a estrelas cadentes, vêm iluminar o caminho e abri os olhos aos cegos.

Eu vos digo, em verdade, que são chegados os tempos em que todas as coisas devem ser restabelecidas no seu verdadeiro sentido, para dissipar as trevas, confundir os orgulhosos e glorificar os justos.

As grandes vozes do céu ressoam como o toque da trombeta, e os coros dos anjos se reúnem. Homens, nós vos convidamos ao divino concerto: que vossas mãos tomem a lira, que vossas vozes se unam, e, num hino sagrado, se estendam e vibrem, de um extremo do Universo ao outro.

Homens, irmãos amados, estamos juntos de vós. Ama-vos também uns aos outros, e dizei, do fundo de vosso coração, fazendo a vontade do Pai que está no Céu: “Senhor! Senhor!” e podereis entrar no Reino dos Céus".

O ESPÍRITO DE VERDADE

Fontes: O Livro dos Espíritos, Livro Terceiro, Das Leis Morais, capítulo 1 - Da Lei Divina ou Natural. O Evangelho Segundo o Espiritismo, Prefácio. Edições LAKE.


Observação:
Importante ressaltar também, que o objetivo da pergunta 627, em decorrência das outras, era questionar sobre a utilidade dos ensinos dos Espíritos, quando muitos afirmavam que as verdades trazidas por Jesus [como por outros reveladores, sábios e filósofos do passado] eram suficientes, gerando assim, as respostas que observamos mais acima.

terça-feira, 13 de maio de 2008

A Codificação Espírita

«O Livro dos Espíritos» não é, porém, apenas, a pedra fundamental ou o marco inicial da nova codificação. Porque é o seu próprio delineamento, o seu núcleo central e ao mesmo tempo o arcabouço geral da doutrina. Examinando-o, em relação às demais obras de Kardec, que completam a codificação, verificamos que todas essas obras partem do seu conteúdo. Podemos definir as várias zonas do texto correspondentes a cada uma delas.
Assim como, na Bíblia, há o núcleo central do Pentateuco, e no Evangelho o do ensino moral do Cristo, no «Livro dos Espíritos» podemos encontrar uma parte que se refere a ele mesmo, ao seu próprio conteúdo: é o constante dos Livros I e II, até o capítulo quinto. Este núcleo representa, dentro da esquematização geral da codificação, que encontramos no livro, a parte que a ele corresponde. Quanto aos demais, verificamos o seguinte:

1º) «O Livro dos Médiuns», seqüência natural deste livro, que trata especialmente da parte experimental da doutrina, tem a sua fonte no Livro II, a partir do capítulo sexto até o final. Toda a matéria contida nessa parte é reorganizada e ampliada naquele livro, principalmente a referente ao capítulo nono: «Intervenção dos Espíritos no mundo corpóreo».

2º) «O Evangelho segundo o Espiritismo» é uma decorrência natural do Livro III, em que são estudadas as leis morais, tratando-se especialmente da aplicação dos princípios da moral evangélica, bem como dos problemas religiosos da adoração, da prece e da prática da caridade. Nessa parte, o leitor encontrará, inclusive, as primeiras formas de «Instruções dos Espíritos», comuns aquele livro, com a transcrição de comunicações por extenso e assinadas, sobre questões evangélicas.

3º) «O Céu e o Inferno» decorre do Livro IV, «Esperanças e Consolações», em que são estudadas os problemas referentes às penas e aos gozos terrenos e futuros, inclusive com a discussão do dogma das penas eternas e a análise de outros dogmas, como o da ressurreição da carne, e os dos paraíso, inferno e purgatório.

4º) «A Gênese, os milagres e as predições», relaciona-se aos capítulos II, III e IV do Livro I, e capítulo IX, X e XI do Livro II, assim como as partes dos capítulos do Livro III que tratam dos problemas genésicos e da evolução física da terra. Por seu sentido amplo, que abrange ao mesmo tempo as questões da formação e do desenvolvimento do globo terreno, e as referentes a passagens evangélicas e escriturísticas, esse livro da codificação se ramifica de maneira mais difusa que os outros, na estrutura da obra-mater.

5º) Os pequenos livros introdutórios ao estudo da doutrina, «O Principiante Espírita» e «O que é o Espiritismo», que não se incluem propriamente na codificação, também eles estão diretamente relacionados com «O Livro dos Espíritos», decorrendo da «Introdução» e dos «Prolegomenos».

Autor: José Herculano Pires

Depois desta pequena apresentação, podemos observar com facilidade como as obras vão se estruturando numa hierarquia de assuntos e conhecimentos que vão tomando maior vulto e complexidade com o passar do tempo.

Como podemos observar após esta leitura, há um encadeamento das idéias, permitindo que os assuntos sejam aprofundados segundo a estruturação dos princípios básicos, das leis fundamentais, leis estas que são universais.

Outro ponto importante para observarmos é toda a estrutura didática, digna dos melhores mestres, começando com as idéias elementares, com os princípios mais básicos, e passando gradualmente, com o amadurecimento do aluno até assuntos mais complexos. O que demonstra uma inteira sinergia entre os Espíritos e o próprio Kardec.

O quinto item é de suma importância, dentro deste encadeamento, na formação do principiante espírita, permitindo-lhe assimilar com mais facilidade e de forma mais segura os princípios e leis expressos na Doutrina dos Espíritos,

E imperioso se faz a observação correta deste processo de aprendizagem para melhor formação dos 'novos' espíritas, como para os mais 'antigos', para que possam seguir com menos tropeços a nossa longa estrada chamada: evolução.

Enfim, bons estudos!