Conceitua-se o Espiritualismo como uma corrente filosófica que afirma a existência do espírito, considerando-o uma realidade independente da matéria e superior a ela. Tendo isto em vista, esclarece o codificador que, ”com efeito, o Espiritualismo é o oposto do materialismo; quem quer que acredite haver em si mesmo alguma coisa além da matéria é espiritualista; mas não segue daí que creia na existência dos Espíritos ou em suas comunicações” [1].
José Herculano Pires defende que a origem das doutrinas espiritualistas está na mediunidade, pelo fato de ser ela inerente à natureza humana [6]. Até porque “sendo as manifestações [mediúnicas] a conseqüência do incessante contato dos Espíritos e dos homens, elas existiram em todos os tempos; estão na ordem das Leis da Natureza e nada têm de miraculoso, seja qual for a forma sob a qual se apresentam”. [5]
Sabemos como atestam as obras dos mais eminentes antropólogos e sociólogos que a crença na imortalidade da alma, em sua sobrevivência após a morte, nas comunicações com os Espíritos, e todas as suas conseqüências, perde-se na noite dos tempos. É por isso que encontramos indícios destas crenças na maioria dos documentos sagrados e profanos de todas as épocas.
“havia na antiguidade [...] alguns indivíduos que estavam em posse daquilo que consideravam uma ciência sagrada e da qual faziam mistério para os que consideravam profanos. Deveis compreender, com o que conheceis das leis que regem esses fenômenos, que eles recebiam apenas verdades esparsas no meio de um conjunto equívoco e na maioria das vezes alegórico” [2].
Sendo a mediunidade uma condição natural da espécie humana, compreende-se facilmente que as diferenças existentes entre as diversas escolas espiritualistas devem-se tanto à capacidade que tinham os homens de interpretarem e compreenderem estes fenômenos, quanto os interesses que motivavam estas interpretações. Na antiguidade, como nos indica a questão 628, alguns indivíduos julgando estar de posse de uma ciência sagrada julgaram por bem transmiti-los somente a quem considerassem aptos para apreender-lhes os princípios. Encontramos aqui a origem dos rituais de iniciação.
Todas as grandes religiões do passado tiveram duas faces. Uma aparente, outra oculta. É correto afirmarmos que debaixo de todos os símbolos materiais encontraremos sempre, e de forma oculta, um sentido profundo. Entretanto,
“a mediocridade dos homens não era apta a perceber as coisas do Espírito, e bem depressa as religiões perderam a sua simplicidade e pureza primitivas. As verdades que tinham sido ensinadas foram sufocadas sob os pormenores de uma interpretação grosseira e material. Abusou-se dos símbolos para chocar a imaginação dos crentes, e, muito breve a ideia máter ficou sepultada e esquecida sob eles” [10].
É exatamente na Idade Média que podemos sentir este abuso de forma mais chocante. Pois, foi a partir do momento em que assumiu a posição de religião do império romano que o Cristianismo - que seria representado pela então nascente Igreja Católica - começou a perder de vista os seus valores essenciais, e passou a incorporar elementos das religiões politeístas como forma de ampliar o seu poder de persuasão e o seu raio de ação.
Tanto que é neste período que se inicia a proibição, no mundo ocidental, de práticas antigas como a evocação dos Espíritos, a crença na reencarnação como lei natural, a crença na preexistência e sobrevivência da alma após a morte, bem como todas as conseqüências inerentes a estes ensinos. E uma das conseqüências para quem ousasse desobedecer a esta proibição era ser condenado às fogueiras da inquisição.
Todavia, é a partir de meados do século XIX que a humanidade seria novamente colocada frente a frente com os mesmos fenômenos tão bem conhecidos dos povos antigos. A princípio foram as mesas girantes que tanto nos EUA quanto na Europa, e mais particularmente na França, foram estudadas por homens de eminente saber, bem como, paradoxalmente tornaram-se o divertimento dos requintados salões parisienses. Quando surgiram as primeiras manifestações mediúnicas nos EUA formou-se um movimento que ficou conhecido como Moderno Espiritualismo. Figuras importantes do cenário mundial como Artur Conan Doyle, Victor Hugo, Epes Sargent, Alfred Russel Wallace, entre outros ficariam famosos por seus trabalhos em defesa da realidade dos fenômenos mediúnicos.
É esse o motivo pelo qual Allan Kardec criou as palavras Espírita e Espiritismo. Estes neologismos tinham a capacidade de exprimir, sem equívocos, as ideias relativas à Doutrina Espírita. E ainda disse que poderíamos nos designar, também, por espiritistas.
“Para as coisas novas necessitamos de palavras novas, pois assim o exige a clareza de linguagem, para evitarmos a confusão inerente aos múltiplos sentidos dos próprios vocábulos. As palavras espiritual, espiritualista, espiritualismo têm uma significação bem definida; dar-lhes outra, para aplicá-las à Doutrina dos Espíritos, seria multiplicar as causas já tão numerosas de anfibologia” [1].
Como podemos observar, Kardec desejava distinguir os adeptos da nova doutrina dos adeptos das diversas escolas espiritualistas existentes, como o Catolicismo, o Protestantismo, o Budismo, entre outras. Ele também alertou que se tivesse dado à Revista Espírita a qualificação de espiritualista não lhe teria, de modo algum, especificado o objeto, pois ele poderia não dizer uma palavra sobre os Espíritos e até mesmo combatê-los sem deixar de atender ao seu título.
“Fossem os Espíritos uma quimera e seria ainda útil existirem termos especiais para aquilo que lhes concerne, porque são necessárias palavras para as ideias falsas como para as ideias verdadeiras” [3].
Neste momento nos defrontamos com um problema complexo e que tem dado margem a muitas confusões. É que os fatos mediúnicos, conhecidos de todos os tempos, são denominados por Kardec como fatos espíritas, mas, eles não são Espiritismo. Conforme elucida J. Herculano Pires “[...] o Espiritismo se serve dos fatos mediúnicos como de uma matéria-prima, para a elaboração de seus princípios, ou como de uma força natural, que aproveita de maneira racional” [7].
É por isso que para ele “o Espiritismo representa o momento em que o Espiritualismo, superando as fases mágicas do seu desenvolvimento, atinge o plano da razão, define-se num esquema cartesiano de ‘ideias claras e distintas’. É a isso que chamamos a estrela que saiu da nebulosa” [8]. É isto que Kardec deseja afirmar quando escreve que a Doutrina Espírita “como generalidade liga-se ao Espiritualismo, do qual apresenta uma das fases” [1].
Foi justamente por utilizar o método experimental para elaborar a doutrina que, como afirma o Codificador, o Espiritismo pôde “enfrentar o materialismo no seu próprio terreno e com as suas mesmas armas”. Desta forma, é o Espiritismo, como doutrina moderna e imbuída do espírito científico, o responsável por devolver ao Espiritualismo o prestígio perdido ante o avanço incontinenti das Ciências.
Este é um dos maiores motivos pelos quais devemos tomar muito cuidado com todas estas “verdades novas” que tem surgido através de médiuns, palestrantes e dirigentes espíritas vaidosos, que assumem ares de reveladores do novo mundo, ignorando que “o Espiritismo está certo ao condenar a formulação de teorias pessoais [...] e encarecer a necessidade da metodologia científica, para verificação da verdade espiritual” [9].
Diante de tudo o que escrevemos, fica-nos a esperança de ter auxiliado a que não seja mais possível confundir-se o Espiritismo com qualquer escola espiritualista como as diversas que podemos encontrar neste nosso Brasil e no mundo. E para finalizar, a palavra abalizada do Codificador: “[...] o que testemunhamos, hoje, portanto, não é uma descoberta moderna; é o despertar da Antiguidade, desembaraçada do envoltório místico que engendrou as superstições; da Antiguidade esclarecida pela civilização e pelo progresso nas coisas positivas” [4].
Referência bibliográfica:
[1] Kardec, Alan. O Livro dos Espíritos. Introdução, item I. Ed. LAKE.
[2] Idem, ibidem. Q. 628.
[3] Idem. O que é o Espiritismo. Segundo diálogo – o céptico, p.24. Ed. IDE.
[4] Idem. Revista Espírita, jan. de 1858, p. 24, FEB.
[5] Idem, ibidem. Abril de 1869, p. 151
[6] Pires, J. H. O Espírito e o Tempo. 1ª Parte – Fase Pré-Histórica. Ed. Paidéia.
[7] Idem, ibidem. P. 17.
[8] Idem, ibidem. p. 106.
[9] Idem, ibidem. p.105.
[10] Denis, Leon. Depois da Morte. P. 25. FEB.
Texto baseado em palestra dada no dia 05 de setembro de 2010 no C.E. Paulo de Tarso, em afogados.
Anderson,
ResponderExcluirInicialmente, parabéns pelo ótimo texto, deveras elucidativo para todos nós, estudantes do Espiritismo.
Em segundo lugar, há uma ressalva a ser feita.
Talvez já seja do seu conhecimento - talvez não -, mas, ao contrário do que você disse no nono parágrafo do seu texto - e o que a maioria esmagadora dos espíritas costumamos pensar-, Kardec não foi o primeiro a utilizar a palavra "Espiritismo".
Com efeito, a palavra "Espiritismo" já havia aparecido em 1854, em dois livros publicados na Inglaterra: Uma é a de Orestes Augustus Brownson, em seu livro, "The Spirit-Rapper. An Autobiography", para ser referir à "necromancia", ou seja, com uma conotação negativa. A outra é: o Apocatastasis, or Progress Backwards, de Leonard Marsh (1800 – 1870)
Eu soube desse fato graças ao excelente blog de Vitor Moura Visoni - que você deve conhecer -, em virtude de uma pesquisa do sr. José Carlos Ferreira Fernandes publicada lá.
Sobre o termo em questão, era utilizado nesse sentido, de "práticas de comunicação com os mortos" e também, em menor grau, para designar as doutrinas advindas dessas práticas.
Interessante é que "Espiritismo" continuou sendo usado com esse sentido ao longo de todo o século XIX, por inúmeros pesquisadores, como Louis Jacolliot. Este escreveu um livro intitulado "Spiritisme dans l'Inde".
Inclusive, essa ambiguidade quanto ao sentido da palavra já era percebida por alguns estudiosos dos fenômenos, como Frank Podmore, membro da SPR. Em seu livro "Modern Spiritualism", veja o que ele diz:
"The only practicable alternative, short of introducing a new word, is to employ "Spiritism"; but "Spiritism" outside France has never won general recognition.Moreover, it is frequently applied by Spiritualists in this country to denote one particular form of their belief, the doctrine of reincarnation associated with the name of Allan Kardec."
Ou seja...Em certo sentido, é correto sim falar em Espiritismo Kardecista ou Kardequiano (o segundo termo é melhor), para diferenciá-lo das inúmeras outras doutrinas que foram produto do intercâmbio entre os dois mundos.
Bem, Anderson, fiz essas colocações só pra lhe passar algumas informações a mais, caso você não as tenha.
Quanto ao blog em geral, eu só tenho a parabenizar pelo excelente trabalho de divulgação do Espiritismo e de esclarecimento doutrinário.
Abraço!
Muito bom o artigo!
ResponderExcluirParabéns...