sexta-feira, 16 de maio de 2008

Espiritismo e Espiritualismo

por Allan Kardec, em 1857

Para as coisas novas necessitamos de palavras novas, pois assim o exige a clareza de linguagem, para evitarmos a confusão inerente aos múltiplos sentidos dos próprios vocábulos. As palavras espiritual, espiritualista, espiritualismo têm uma significação bem definida; dar-lhes outra, para aplica-las à Doutrina dos Espíritos, seria multiplicar as causas já tão numerosas da anfibologia.

Com efeito, o espiritualismo é o oposto do materialismo; quem quer que acredite haver em si mesmo alguma coisa além da matéria é espiritualista; mas não se segue dai que creia na existência dos Espíritos ou em suas comunicações com o mundo visível.

Em lugar das palavras espiritual e espiritualismo, empregaremos, para designar esta última crença, as palavras espírita e espiritismo, nas quais a forma lembra a origem e o sentido radical e que por isso mesmo têm a vantagem de ser perfeitamente inteligíveis, deixando para espiritualismo a sua significação própria.

Diremos, portanto, que a Doutrina Espírita ou o Espiritismo tem por princípio as relações do mundo material com os Espíritos ou seres do mundo invisível. Os adeptos do Espiritismo serão os espíritas, ou, se o quiserem, os espiritistas.

(Fonte: O Livro dos Espíritos, Introdução, item I)
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Comentário:

No dicionário Aurélio, encontramos o seguinte:

§ Es.pi.ri.tua:lis.mo. sm. Doutrina cuja base é a prioridade do espírito com relação às condições materiais. § es.pi.ri.tua:lis.ta adj2g.s2g.

Ou seja, é uma doutrina [ou várias] cuja finalidade é despertar em nós a importância da espiritualização, em relação ao apego aos bens materiais que nutrimos durante nossa vida. É desta forma, oposto ao materialismo. E sendo assim, todo espírita é por natureza espiritualista.

Mas uma observação de Kardec em O Que é o Espiritismo vem nos socorrer de uma provável confusão que possamos fazer:

"Todo espírita é necessariamente espiritualista, mas nem todos os espiritualistas são espíritas".

Pois que podemos acreditar numa vida espiritual sem acreditar nos espíritos e suas manifestações, sem acreditar na reencarnação, entre outros motivos.

Esta diferenciação ainda se faz imperiosa por dois motivos:

1) A necessidade básica que a Ciência Espírita exigiu desde seu nascimento: clareza. Pois não tem como ser objetiva e precisa se não for clara, transparente em seus conceitos e princípios, além de que, sendo uma ciência, tal qual as demais, precisava ela também de termos claros que se adequassem às idéias e conceitos ali concernentes. Portanto, clareza, objetividade, precisão e uma nomenclatura adequada são características estas inerentes à sua natureza científica.

2) Sendo o Espiritualismo extremamente diversificado, qualquer crítica aos espíritas geraria uma tremenda confusão, por não saber ao certo a quem se estava dirigindo, pois seriam todos espiritualistas.


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Kardec é quem explica e afirma, na obra já citada, que sem estes termos, veríamos a produção de enorme confusão se fossem dirigidos ao Espiritualismo e aos Espiritualistas, as críticas endereçadas aos espíritas, em específico.

E a crítica, que por vezes se faz a estes termos, provém, em muito, de pessoas afeitas a tudo criticar e pouco analisar. Alegar, como o fazem muitos, com o argumento de que sendo apenas um rótulo, e como tal se faz desnecessário porque passageiro, temporário, apenas confirma, como explicitou Kardec, que "prender-se a semelhantes bagatelas é provar que se tem pouco de boas razões".

Enfim, "eles [os termos] ocupam o vértice da coluna da nova ciência; para exprimir fenômenos especiais dessa ciência, tínhamos necessidade de termos especiais" e "ainda que os espíritos fossem uma quimera, havia utilidade em adotar termos especiais para designar o que a eles se refere; porque as falsas idéias, como as verdadeiras, devem s expressas por termos próprios".

"O Espiritismo possui hoje a sua nomenclatura, tal qual a Química".



Um forte abraço e bons estudos!


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Anexo: o texto contido em O Que é o Espiritismo e que elucida, de forma clara e lógica, algumas questões referentes a estes problemas. Está contido no segundo diálogo, O Céptico:

Visitante. Eu vos perguntaria, primeiro, que necessidade haveria de criar as palavras novas de espírita, Espiritismo para substituir as de Espiritualismo, espiritualista, que estão na linguagem popular e compreendidas por todo o mundo? Já ouvi alguém tratar essas palavras de barbarismos.

Allan Kardec . A palavra espiritualista, desde muito tempo, tem uma significação bem definida; é a Academia que no-la dá: ESPIRITUALISTA é aquele ou aquela cuja doutrina é oposta ao materialismo.

Todas as religiões, necessariamente, estão baseadas no Espiritualismo. Quem crê haver em nós outra coisa além da matéria, é espiritualista, o que não implica na crença nos Espíritos e nas suas manifestações. Como vós o distinguiríeis daquele que o crê? Precisar-se-ia, pois, empregar uma perífrase e dizer: é um espiritualista que crê, ou não crê, nos Espíritos.

Para as coisas novas, é preciso palavras novas, se se quer evitar equívocos. Se eu tivesse dado à minha Revista a qualificação de Espiritualista, não lhe teria de, modo algum, especificado o objeto, porque, sem faltar ao meu título, poderia não dizer uma palavra sobre os Espíritos e mesmo combatê-los.

Eu li, há algum tempo em um jornal, a propósito de uma obra filosófica, um artigo onde se dizia que o autor o havia escrito sob o ponto de vista espiritualista. Ora, os partidários dos Espíritos ficariam singularmente desapontados se, na confiança dessa indicação, tivessem acreditado nela encontrar a menor concordância com suas idéias.

Portanto, se adotei as palavras Espírita e Espiritismo, é porque elas exprimem, sem equívoco, as idéias relativas aos Espíritos.

Todo espírita é, necessariamente, espiritualista, sem que todos os espiritualistas sejam espíritas.

Fossem os Espíritos uma quimera e seria ainda útil existirem termos especiais para aquilo que lhes concerne, porque são necessárias palavras para as idéias falsas como para as idéias
verdadeiras.

Essas palavras não são, aliás, mais bárbaras que todas aquelas que as ciências, as artes e a indústria criam cada dia. Elas não o são, seguramente, mais que as que Gall¹ imaginou para sua nomenclatura das faculdades, tais como: Secretividade, alimentividade, afecionividade, etc.

Há pessoas que, por espírito de contradição, criticam tudo que não provém delas e desejam aparentar oposição; aqueles que levantam tão miseráveis contestações capciosas, não provam senão uma coisa: a pequenez de suas idéias. Prender-se a semelhantes bagatelas é provar que se tem pouco de boas razões.

Espiritualismo, espiritualista, são as palavras inglesas empregadas nos Estados Unidos desde o início das manifestações: delas se serviu, primeiro, por algum tempo, na França. Mas, desde que apareceram as palavras Espírita e Espiritismo, compreendeu-se tão bem sua utilidade, que foram imediatamente aceitas pelo público.

Hoje o uso delas é de tal modo consagrado, que os próprios adversários, os que primeiro as apregoaram de barbarismo, não empregam outras. Os sermões e as pastorais que fulminam contra o Espiritismo e os espíritas, não poderiam, sem confundir as idéias, lançar anátema sobre o Espiritualismo e os espiritualistas.


Bárbaras ou não, essas palavras doravante passaram para a linguagem popular e em todas as línguas da Europa. Só elas são empregadas em todas as publicações, pró ou contra, feitas em todos os países. Elas formaram o sustentáculo da nomenclatura da nova ciência; para exprimir os fenômenos especiais dessa ciência, foram precisos termos especiais. O Espiritismo tem, de hoje em diante, sua nomenclatura, como a química tem a sua².

As palavras Espiritualismo e espiritualista, aplicadas às manifestaçõesdos Espíritos, não são mais empregadas hoje, senão pelos adeptos daescola dita americana.
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(1)Franz Joseph Gall (1758-1828): Franz Joseph Gall nasceu em Baden, Alemanha, em 9 de março de 1758.
Gall estudou medicina em Viena, e se tornou um renomado neuroanatomista e fisiologista. Ele foi pioneiro no estudo da localização das funções mentais no cérebro. Por volta de 1800, ele desenvolveu a "cranioscopia", um método para adivinhar a personalidade e desenvolvimentos das faculdades mentais e morais com base na forma externa do crânio. Cranioscopia (cranium=crânio, scopos=visão) foi posteriormente renomeada como frenologia (phrenos=mente, logos=estudo) por seus seguidores. [ http://www.cerebromente.org.br/n01/frenolog/frengall_port.htm ] (nota minha)



(2) Essas palavras, aliás, hoje têm direito de burguesia, pois estão no suplemento do Petit Dictionnaire des Dictionnaires Français, extraído de Napoleón Landais, obra que se tira em vinte mil exemplares. Nela se encontra a definição e a etimologia das palavras: erraticidade, medianímico, médium, mediunidade, perispírito, pneumatografia, pneumatofonia, psicográfico, psicografia, psicofonia, reencarnação, sematologia, espírita, Espiritismo, estereorito, tiptologia. Elas se encontram igualmente, com todo o desenvolvimento que comportam, na nova edição do Dictionnaire Universel de Maurice Lachâtre. (nota da Ed. IDE)




Um comentário:

  1. Anderson, parabéns pelo estudo e pela criação e organização do blog.

    Muito bom esse texto, definindo com clareza a distinção entre espírita e espiritualista, confusão que segue até os dias atuais. Segue um trecho para esclarecimento de mais uma “denominação” equivocada.

    Wladisney Lope - Porque Não Sou Espírita Kardecista

    "A primeira revelação teve a sua personificação em Moisés, a segunda no Cristo, a terceira não a tem em indivíduo algum. As duas primeiras foram individuais, a terceira coletiva; aí está um caráter essencial de grande importância.

    p.s.: esse texto foi divulgado pelo Sávio.

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