quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Da Natureza das Comunicações

Tudo se encadeia no Espiritismo, e quando se segue o conjunto, vê-se que os princípios decorrem uns dos outros, apoiando-se mutuamente”. (O que é o Espiritismo)

Estudar O Livro dos Médiuns é algo extremamente fascinante, principalmente quando o fazemos de maneira séria e metódica, buscando aprofundar cada ensinamento e fazendo correlação com o que encontramos nas demais obras que formam a estrutura base do Espiritismo.

O capítulo X da Segunda Parte é um destes que deve ser lido e relido sempre, pois nos trazem excelentes informações acerca não só da natureza das comunicações, mas da importância de sua análise, comparação e pesquisa, para posterior aceitação.

Neste capítulo Kardec se põe a observar “que todo efeito que revela na sua causa um ato de vontade livre, por insignificante que seja, denuncia através dele uma causa inteligente”, e que desta forma, o menor movimento oferecido pelas ‘mesas girantes’ que apresentasse caráter intencional, era o suficiente para ver no fenômeno algo mais que o mero jogo de forças mecânicas, mas, de uma inteligência disposta a permutar idéias de forma regular e contínua.

É desta forma que Kardec é levado a reconhecer que as mesas, as cestas e quaisquer outros utensílios postos e, ou, inventados e colocados entre a mão do médium e o lápis eram dispensáveis. E assim, os próprios espíritos, após os estudos ‘preliminares’ se encarregaram de apresentar os meios mais rápidos e simples de aumentar o fluxo de informações entre os dois mundos, o material e o espiritual: a psicografia e a psicofonia (erroneamente chamada de ‘incorporação’).

“Mas, o que é característico, é a evidente diminuição dos médiuns de efeitos físicos, à medida que se multiplicam as comunicações inteligentes. É que, como bem disseram os Espíritos, o período da curiosidade já passou [...]”. (Viagem Espírita em 1862, impressões gerais, p. 31)

A partir daí, a maior dificuldade seria encontrar uma regra que nos permitisse avaliar o valor das informações e o seu ‘grau’ de veracidade. Kardec nos informa que se houvermos compreendido bem o que consta na Escala Espírita [O Livro dos Espíritos, item 100 e seguintes], será muito mais fácil analisar que as comunicações dos Espíritos refletem exatamente a “elevação ou inferioridade de suas idéias, seu saber ou sua ignorância, seus vícios e suas virtudes”, em suma, tudo o que toca à inteligência e moralidade dos comunicantes.

Por isso, em Obras Póstumas, ele afirmou que “um dos primeiros resultados das minhas observações foi saber que, sendo os espíritos as almas dos homens, não possuem a soberana Sabedoria, nem a soberana Ciência, e que o seu saber era limitado ao grau de adiantamento, assim como sua opinião só tinha o valor de uma opinião pessoal”. E em seguida ele encerra este período com uma noção que muitos médiuns e divulgadores espíritas da atualidade têm esquecido: “Esta verdade, reconhecida desde o princípio, preservou-me do perigo de acreditar na infalibilidade deles e livrou-me de formular teorias prematuras sobre os ditados de um ou de alguns”.

“Essa diversidade na qualidade dos Espíritos é um dos pontos mais importantes a considerar, pois explica a natureza boa ou má das comunicações que se recebem. É sobretudo em distingui-los que nos devemos empenhar”. (O Espiritismo na sua mais simples expressão, I – Dos Espíritos, p. 66)

“Procedi com os Espíritos como teria feito com os homens; considerei-os, desde o menor até o maior, como elementos de instrução e não como reveladores predestinados. (Obras Póstumas, Segunda Parte, A minha iniciação no Espiritismo)

É importante salientar este ponto, pois parece esquecido nos dias atuais. E porque o Codificador nunca perdeu uma oportunidade de relembrar este assunto, acredito ser importante enfatizá-lo.

E é com esta regra geral que ele se propõe a dividir as comunicações em quatro categorias principais, entendendo bem que outras categorias poderiam ser acrescentadas. Cabe destacar, ainda, que à semelhança com o que foi feito na escala espírita, esta é uma estrutura didática, geral e simplificada. Agora vejamos quais são as categorias citadas por Kardec:

As comunicações grosseiras são as que contêm expressões triviais, obscenas, ignóbeis, insolentes, arrogantes e malévolas. Por ferirem a sensibilidade e o decoro só poderiam vir de espíritos de baixa classe, ainda fortemente manchados por todas as impurezas da matéria.

As comunicações frívolas são mensagens zombeteiras, maliciosas, levianas provindas de espíritos despreocupados com qualquer noção de ‘certo’ ou ‘errado’, misturando, às vezes, brincadeiras banais com duras verdades, que ferem quase sempre com justa razão. “A verdade é o que menos os preocupa, e por isso sentem um malicioso prazer em mistificar os que têm a fraqueza e às vezes a presunção de acreditar em suas palavras”.

As comunicações sérias são todas as que, revelando um fim útil, mesmo sobre assuntos particulares, são abordadas de uma forma grave e ponderada.

Entretanto, conforme esclarece o Codificador, elas não são isentas de erros. Os Espíritos sérios não são todos esclarecidos. Há muitas coisas que eles ignoram e sobre as quais se podem enganar de boa fé. É por isso que os Espíritos verdadeiramente superiores nos recomendam sem cessar que submetamos todas as comunicações ao controle da razão e da lógica mais severa”.

É tão importante este ponto que seria um erro o deixarmos passar em branco. Muita gente se assusta quando se demonstra que os espíritos, mesmo os sérios, não sabem tudo. Outras, entretanto, acham uma heresia apontar equívocos em obras de espíritos que elas entendem como ‘superiores’. Como dissemos, esta é uma sentença importantíssima para tudo que se relacione com ‘análises das informações dos espíritos’.

Ainda cabe ressaltar a importância de distinguir as comunicações verdadeiramente sérias das falsamente sérias. Kardec é quem explica que: “[...] nem sempre é fácil, por que é graças à gravidade da linguagem que certos espíritos presunçosos ou pseudo-sábios tentam impor as idéias mais falsas e os sistemas mais absurdos. E para se fazerem mais aceitos e se darem maior importância, eles não tem o escrúpulo de se adornar com os nomes mais respeitáveis e mesmo os mais venerados”.

Isto está completamente de acordo com esta afirmação: “[...] sabe-se também que os espíritos embusteiros não têm escrúpulos para esconder-se atrás de nomes emprestados, a fim de fazerem aceitar suas utopias” (O Evangelho segundo o Espiritismo, capítulo II da Introdução). E “acontece muitas vezes que os espíritos, para fazer adotar certas utopias, afetam um falso saber e tentam impô-las retirando do arsenal de palavras técnicas tudo quanto possa fascinar aquele que acredita muito facilmente. Dispõem, ainda, de um meio mais fácil, que é o de aparentar virtudes. Arrimados nas grandes palavras: caridade, fraternidade e humildade, esperam fazer passar os mais grosseiros absurdos” (Viagem Espírita em 1862, p.163).

Entretanto, “os Espíritos verdadeiramente sábios, quando não se sentem suficientemente esclarecidos sobre uma questão, não a resolvem jamais de maneira absoluta. Declaram tratar do assunto de acordo com a sua opinião, e aconselham esperar-se a confirmação” (O Evangelho segundo o Espiritismo, Introdução, capítulo II, p. 21).

Isto tudo é tão importante que Kardec afirma ser este um dos escolhos da ciência prática, da Ciência Espírita. Tanto que alguns capítulos de O Livro dos Médiuns são especialmente criados com o fim de auxiliar a superar estes escolhos: XIX, XX, XXI, XXIII, XXIV, XXV, XXVI, XXVII e o capítulo XXXI [que aborda as dissertações espíritas, sobre o Espiritismo, sobre os médiuns, sobre as sociedades espíritas (hoje, centros) e sobre as mensagens apócrifas]. Cabe, ainda, sugerir a leitura do capítulo II da introdução de O Evangelho segundo o Espiritismo, Autoridade da Doutrina Espírita por ser pertinente neste estudo. E isto para ficar somente nestas duas obras.

As comunicações instrutivas são todas as que têm por finalidade principal algum ensinamento dado pelos Espíritos sobre as Ciências, a Moral, a Filosofia, etc.

Neste ponto, a maior ou menor profundidade depende do grau de depuração do espírito e que para recebermos o auxílio de Espíritos de ordem superior devemos ser graves e circunspectos em nossos estudos, mantendo sempre um sincero desejo de se instruir perseverando nos estudos.

Kardec ainda afirma que as comunicações só podem ser instrutivas quando são verdadeiras e que somente as conseguiremos avaliar com precisão e profundidade a não ser pela regularidade e freqüência com que os seus autores se comunicam.

Entretanto, ainda alerta o prof. Rivail: “não poderíamos, pois, incluir nesta categoria certos ensinos que de sério só tem a forma, frequentemente empolada e enfática, através da qual espíritos mais presunçosos do que sábios procuram enganar”.

Contudo, ele afirma que os Espíritos com intenção de mistificar, por não conseguirem suprir o próprio vazio, seria impossível manter as aparências por muito tempo, mostrando rapidamente o seu lado fraco. Só que quem perde tempo, hoje, avaliando e questionando os espíritos? Bastou um, por um médium famoso, para afirmarem não ser mais necessário evocarmos os espíritos, quando temos um livro da Codificação [e a própria juntamente com toda a coleção da Revista Espírita como exemplo desta importância] com o subtítulo: “Guia dos médiuns e dos evocadores”.

Kardec sempre afirmou que devemos ser severos na análise das comunicações, em tudo buscando o aprofundamento, a lógica, a racionalidade, o fim útil e a coerência destas com os princípios que fazem parte do núcleo da Doutrina por serem verdades verificadas, nada mais que Leis Naturais, Divinas.

Como ressaltei no início, o estudo de O Livro dos Médiuns é fascinante, principalmente, quando o fazemos em conexão com todas as outras obras da codificação e Revistas Espíritas, nos permitindo alcançar um entendimento mínimo de toda esta grandiosa estrutura conceitual, filosófica, científica e moralizadora. Bem como deste capítulo, que nos auxilia, junto com os outros já citados, a podermos analisar todas as obras psicografadas ou não, de quem quer que seja e da melhor forma possível.

E disto tudo, ainda poderemos aprender que a doutrina deve caminhar como um navegante experiente, “de sonda nas mãos e consultando os ventos” (Obras Póstumas). Ou seja, nos dizeres de Herculano Pires, pela investigação humana, usando a metodologia da Ciência Espírita e a bússola que é a Codificação e consultando os espíritos, analisando, comparando, pesquisando e questionando os seus ensinos. Não de dois ou três, mas de vários.

Boas reflexões!


Bibliografia:
1. Kardec, A. O Livro dos Médiuns. Tradução da 2ª edição francesa por J. Herculano Pires. São Paulo – LAKE, 2004.
2. _____. O Evangelho segundo o Espiritismo. Tradução de J. Herculano Pires, 61ª edição. São Paulo – LAKE, 2006.
3. _____. Viagem Espírita em 1862 e outras viagens de Allan Kardec. Tradução de Evandro Noleto Bezerra. 1ª edição, – Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2005.
4. _____. Obras Póstumas. Tradução de João Teixeira de Paula; Revisão, introdução e notas de J. Herculano Pires, - 14ª edição – São Paulo, LAKE, 2007.
5. _____. O Espiritismo na sua expressão mais simples e outros opúsculos de Kardec. Tradução de Evandro Noleto Bezerra. – 2ª edição – Rio de Janeiro - Federação Espírita Brasileira, 2007.
6. _____. O que é o Espiritismo. Tradução de Salvador Gentile, 71ª edição. Instituto de Difusão Espírita – IDE -, 2008

* Artigo publicado na edição de março da Revista Internacional de Espiritismo com adaptações.