domingo, 16 de janeiro de 2011

Analisando O Livro dos Médiuns



Lançado em janeiro de 1861, O Livro dos Médiuns é, conforme informa o Codificador na introdução desta obra, o complemento de O Livro dos Espíritos. Enquanto este apresenta o aspecto filosófico da Ciência Espírita, aquele apresenta a sua parte prática para todos os que desejarem ocupar-se das manifestações, seja pessoalmente, seja pela observação das experiências alheias. Segundo Kardec, estas duas obras embora se completem, são, até certo ponto, independentes uma da outra.

Consolidado O Livro dos Espíritos, o codificador sente a imperiosa necessidade de estruturar uma sociedade onde possa dar prosseguimento aos seus estudos espíritas e contar com a participação e o apoio de pesquisadores, médiuns e estudiosos sérios. É assim que em 1858 funda a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas e, neste mesmo ano, lança a Revista Espírita e o livro Instruções Práticas sobre as Manifestações Espíritas.

Esta obra, embora tenha sido lançada com um objetivo sério, não foi reimpressa após sua primeira edição, por não atender à “necessidade de esclarecimento completo das dificuldades que podem ser encontradas” na prática espírita. Kardec preferiu substituí-la por O Livro dos Médiuns, obra em que reuniu todos os dados de uma longa experiência e de um estudo consciencioso, com o desejo de que ela contribuísse para apresentar o caráter sério do Espiritismo, que é a sua essência, e para afastar a idéia de frivolidade e divertimento. Isto foi conseguido principalmente após a sua segunda edição, já que ela “[...] foi corrigida com especial cuidado pelos Espíritos, que lhe acrescentaram grande número de observações e instruções do mais alto interesse. Como eles reviram tudo, aprovando ou modificando à vontade, podemos dizer que ela é, em grande parte, obra deles. [...]”


O Livro dos Médiuns deve ser encarado, segundo J. Herculano Pires, “como um tratado superior de fenomenologia paranormal, cujas fases metapsíquica e parapsicológica de pesquisa material estão superadas. Ele apresenta a solução dos problemas em que ainda se enredam as pesquisas atuais e convida os estudiosos a avançarem além. Mas tudo isso com critério e métodos científicos [...]”. E diz mais:


“Kardec e os Espíritos insistem numa posição ainda pouco compreendida pelos próprios espíritas: a Ciência Espírita teve como vestíbulo as manifestações físicas, mas sua finalidade é moral e suas pesquisas devem desenvolver-se nesse sentido. Provada a sobrevivência espiritual e a comunicabilidade, o Espiritismo deve se aprofundar na investigação dos processos de comunicação, da situação dos Espíritos após a morte, das leis que regulam as relações permanentes entre os Espíritos e os homens e suas conseqüências nesta vida, e assim por diante”.


Entretanto, para que se possa compreender bem a obra e tirarmos proveito dela, é necessário identificar o seu planejamento e o objetivo de cada parte. Ela possui uma Introdução, Primeira Parte e Segunda Parte, onde cada qual tem detalhes e informações valiosas que precisam ser identificadas e estudadas com muito critério, método e seriedade.


Na introdução, encontra-se o objetivo do livro e o seu público alvo:


1- “[...] indicar os meios de desenvolvimento da faculdade mediúnica, tanto quanto o permitam as disposições de cada um, e, sobretudo, dirigir-lhe o emprego de modo útil, quando ela exista. [...]”
2- “[...] Como repositório de instrução prática [...] a nossa obra não se destina exclusivamente aos médiuns, mas a todos os que estejam em condições de ver e observar os fenômenos espíritas”.


A primeira parte deste livro caracteriza-se como uma defesa do Espiritismo, na qual se encontram 4 capítulos:


1) Existem Espíritos? - Kardec dialoga sobre a existência dos Espíritos;
2) O Maravilhoso e o sobrenatural – Kardec apresenta argumentos e contra-argumentos capazes de provar a existência dos fenômenos espíritas;
3) Método - Kardec apresenta regras e normas eficazes para a propaganda, difusão e estudo metódico do Espiritismo. Este capítulo deve ser lido com muita atenção por todos os Espíritas.
4) Sistemas – Kardec nos apresenta as interpretações a que deram lugar os fenômenos espíritas, resultando numa lista de 13 sistemas.


A segunda parte, além de mais extensa, mostra maior variedade de temas. São 32 capítulos que apresentam a parte experimental propriamente dita do Espiritismo. É possível identificar 5 núcleos específicos em sua estrutura:


1º Núcleo: Os Fenômenos e a Teoria dos Fenômenos. Abrange os capítulos de I a XIII, começando pelo estudo Da Ação dos Espíritos Sobre a Matéria e terminando com o Da Psicografia.
Esse núcleo objetiva a explicação de todos os fenômenos, com destaque para os de efeitos físicos, já que podem ser percebidos de forma objetiva e porque foi por onde começou o Espiritismo. Deve ser lido com extrema atenção e não deve ser desdenhado, pois, muito do que é ali ensinado, aplica-se à maioria dos fenômenos de uma forma geral e não somente aos de efeitos físicos.
2º Núcleo: O Estudo da Mediunidade. Aborda um amplo estudo acerca da mediunidade, seu conceito e sua classificação, abrangendo os capítulos XIV, Os Médiuns, XV, Médiuns Psicógrafos, e XVI, Médiuns Especiais. Pode-se estudar nestes capítulos o gênero, o tipo mais comum e suas especificidades.
3º Núcleo: Do Exercício Mediúnico. Desde o capítulo XVII, Formação dos Médiuns, até o capítulo XXIII, Da Obsessão, Kardec aborda a questão dos inconvenientes e perigos da mediunidade, o papel do médium nas comunicações, a influência moral do médium e a influência do meio,
4º Núcleo: Da Análise da Produção Mediúnica. Núcleo de grande importância que vai do capítulo XXIV,Identidade dos Espíritos, ao XXVIII, Charlatanismo e Prestidigitação, e termina com o XXXII, Vocabulário Espírita. É neste núcleo que será compreendida, de forma mais profunda, a importância da análise crítica de tudo o que vem dos Espíritos, mesmo daqueles em quem confiamos. Cabe destacar aqui o capítulo XXV, Das Evocações, no qual Kardec orienta sobre como podemos utilizar esta valiosa ferramenta para pesquisa e validação das informações provenientes das comunicações espontâneas, como as milhares que são publicadas nos dias atuais. Tanto que no capítulo XXVI, Perguntas que Se Podem Fazer encontra-se esta informação importantíssima:


“Algumas pessoas pensam que é preferível não fazer perguntas, convindo esperar o ensinamento dos Espíritos, sem o provocar. Isso é um erro. Não há dúvida que os Espíritos dão instruções espontâneas de elevado alcance que não podemos desprezar, mas há explicações que teríamos de esperar por muito tempo se não solicitássemos. Sem as nossas perguntas, O Livro dos Espíritos e O Livro dos Médiuns ainda estariam por fazer ou pelo menos seriam muito mais incompletos: numerosos problemas de grande importância estariam ainda por resolver”.


5º Núcleo: Da Organização e Direção das Reuniões e Sociedades Espíritas. Abrangem os capítulos XXIX, Reuniões e Sociedades e XXX, Regulamento. Nestes dois capítulos encontramos um estudo sobre a importância das reuniões e sociedades espíritas, seus tipos, os assuntos de estudos, as rivalidades entre as sociedades, e encerra com o regulamento da SPEE que serve como exemplo para que todas as sociedades pudessem ter um modelo na hora de criarem um regulamento próprio. Este é um núcleo básico para todo aquele que tem sobre si a responsabilidade de dirigir tanto uma sociedade espírita como uma reunião mediúnica.


Como podemos observar, esta apresentação didática tem por fim demonstrar a importância de O Livro dos Médiuns ao completar 150 anos. Até porque, nota-se nos dias atuais que da maioria dos que se ocupam com a prática mediúnica, poucos o estudam ou consultam e muitos até confessam não terem interesse de investir tempo e esforço na compreensão teórica de fenômenos e informações como as contidas nele. Entretanto, e para finalizar, afirma Herculano Pires que:


O Livro dos Médiuns é atualíssimo. Nenhuma outra obra, espírita ou não, sobre a fenomenologia mediúnica, conseguiu superá-lo. É um tratado que tem por fundamento a pesquisa científica e a experiência, além da contribuição teórica dos Espíritos na explicação de vários problemas ainda inacessíveis à pesquisa científica.”


Salve O Livro dos Médiuns!


E bons estudos!

Texto publicado na Revista Internacional de Espiritismo na edição de fevereiro de 2011.

sábado, 1 de janeiro de 2011

Cumprimentos de Ano Novo

"Quando considero a brevidade da vida, fico dolorosamente impressionado pela incessante preocupação da qual o bem-estar material é para vós o objeto, ao passo que ligais tão pouca importância e não consagrais senão pouco ou nenhum tempo ao vosso aperfeiçoamento moral, que vos deve ser contado para a eternidade. Crer-se-ia, ao ver a atividade que desdobrais, que ela se prende a uma questão do mais alto interesse para a Humanidade, enquanto que não se trata, quase sempre, senão em vos esforçar para satisfazer necessidades exageradas, a vaidade, ou vos entregar aos excessos". [Um Espírito Protetor, O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. XVI, item 12]

Neste primeiro dia do ano de 2011, achei interessante trazer este texto constante de O Evangelho segundo o Espiritismo. Se o fim de ano é tempo de reflexões sobre o que fizemos durante o ano, de reflexões sobre o que conquistamos, o que perdemos e o que ficamos devendo; o início do ano é um depósito de esperanças, onde colocamos todos os nossos sonhos e desejos mais íntimos.

Entretanto, que tipos de sonhos e desejos depositamos no afã de os vermos realizados? O Espírito Protetor citado em epígrafe deixa clara a sua decepção para conosco. E posso dizer que nós, os Espíritas, somos o objeto exclusivo de sua reflexão pelo fato de travarmos contato incessante com uma realidade que a maioria das pessoas ignora, ou simplesmente não quer conhecer.

Quantos de nós acordamos cedo, madrugamos até, para irmos à academia e passarmos de 30 minutos a 1 hora correndo na esteira, mas não acordamos cedo para corrermos atrás da cesta básica que poderia alimentar uma família ou uma jovem mãe solteira, através das várias campanhas que nossas casas espíritas realizam, como a campanha fraterna, ou, mais popularmente conhecida como campanha do quilo? Quantos de nós que passamos 20, 40 minutos levantando pesos, no desejo de definir e dar força aos músculos dedicamos o mesmo tempo para levantarmos crianças carentes dentro de uma instituição filantrópica como voluntários?

Quantos de nós, que dedicamos anos de nossas vidas no aprendizado de alguma arte, técnica ou profissão, e que desejamos ser os melhores nelas conseguimos aliar pesquisa sobre as virtudes nestes estudos? Quantos de nós, que acreditamos na existência de um mundo preexistente e sobrevivente a este, conseguimos realmente interiorizar os princípios espíritas a ponto de os tornar não somente 'crenças', mas, verdadeira convicção em nossas vidas?

É certo que o nosso bem-estar material é importante, mas, quantos, neste início de ano não colocam somente ele como objetivo e meta para o novo ano? Qual é realmente o objetivo de nossas vidas?

Que em 2011 possamos estabelecer metas que visem não somente a conquista de bens materiais, da satisfação de necessidades exageradas, mas, o estabelecimento de metas para nosso aperfeiçoamento moral, de forma a que possamos trabalhar em nós, no dia a dia, as virtudes que serão, dentro do balanço final que faremos de nossas vidas, o único e verdadeiro lucro que iremos gozar no além.

Que todos possamos refletir sobre isso e que possamos estabelecer metas viáveis não somente para nossos interesses materiais, mas, e acima de tudo, para nossos interesses espirituais. E que nós, os Espíritas, possamos nos compenetrar bem dos princípios contidos na Moral Espírita, consequência inevitável da pesquisa científica e da reflexão filosófica dentro da Doutrina Espírita.

A partir de agora deixarei para vocês um texto que, embora longo, é bastante interessante neste momento em que vivemos. É um texto escrito por Kardec, em virtude das festividades causadas pelo ano novo em 1862.

Eu desejo a todos um ano novo repleto de muita paz, muito amor, muito trabalho e, acima de tudo, de muita vontade de praticar o bem e a gentileza para com o próximo!

Um forte abraço!

CUMPRIMENTOS DE ANO-NOVO

(Revista Espírita de fevereiro de 1862)

Várias centenas de cartas nos foram dirigidas pelo ano-novo, de modo que nos é materialmente impossível responder uma a uma. Pedimos, pois, aos nossos dignos correspondentes aqui recebam a expressão de nosso agradecimento sincero pelo testemunho de simpatia que tiveram a bondade de nos dar. Uma entre elas, entretanto, por sua natureza, exige uma resposta especial. É a dos espíritas de Lyon, subscrita por cerca de duzentas assinaturas.

Aproveitamos a circunstância para transmitir, a seu pedido, alguns conselhos gerais. A Sociedade Espírita de Paris, fundada por nós, julgando que podia ser útil a todo o mundo, não só nos sugeriu que a publicássemos na Revista, como também votou a sua impressão separada para ser distribuída a todos os seus sócios.

Todos aqueles que tiveram a gentileza de nos escrever participaram dos sentimentos de reciprocidade que aí exprimimos e que se dirigem, sem exceção, a todos os espíritas franceses e estrangeiros, que nos honram com o título de seu chefe e de seu guia na nova via que se lhes abre.

Não nos dirigimos apenas aos que nos escreveram, pela passagem do ano-novo, mas a todos os que, a cada momento, nos dão tocantes provas de seu reconhecimento pela felicidade e pelas consolações que encontram na doutrina e que nos relatam as suas penas e os seus esforços para ajudar a sua propagação. A todos, enfim, aos quais nossos trabalhos servem para algo na marcha progressiva do Espiritismo.

RESPOSTA À MENSAGEM DE ANO-NOVO DOS ESPÍRITAS LIONESES

Meus caros irmãos e amigos de Lyon.

A mensagem coletiva que tivestes a bondade de me enviar pela passagem do ano-novo causou-me viva satisfação, provando que conservastes de mim uma boa recordação. Mas o que me deu maior prazer, em vosso ato espontâneo, foi o de encontrar, entre as numerosas assinaturas, representação de quase todos os grupos, pois é um sinal da harmonia reinante entre eles. Sinto-me feliz por terdes compreendido o objetivo desta organização, cujos resultados já podeis apreciar, pois agora vos deve ser evidente que uma sociedade única teria sido quase impossível.

Agradeço-vos, meus bons amigos, os votos que me formulais. Eles me são tanto mais agradáveis quanto sei que partem do coração, e são os que Deus escuta. Ficai satisfeitos porque ele os escuta diariamente, dando-me a alegria inaudita no estabelecimento de uma nova doutrina, de ver aquela a que me devotei crescer e prosperar, em meus dias, com rapidez maravilhosa. Encaro como um grande favor do Céu o ser testemunha do bem que ela já faz. Essa certeza, da qual diariamente recebo os mais tocantes testemunhos, me paga com usura todas as penas e fadigas. Só uma graça peço a Deus, a de me dar a força física necessária para ir até o fim de minha tarefa, que está longe de ser concluída. Mas, haja o que houver, terei sempre a consolação da certeza de que a semente das ideias novas, agora espalhada por toda a parte, é imperecível. Mais feliz que muitos outros, que não trabalharam senão para o futuro, a mim me é dado ver os primeiros frutos. Se algo lamento, é que a exiguidade de meus recursos pessoais não me permita pôr em execução os planos que tracei para seu mais rápido desenvolvimento. Se, porém, em sua sabedoria, Deus o quis de outro modo, legarei esse plano aos meus sucessores que, sem dúvida, serão mais felizes.

Malgrado a penúria de recursos materiais, o movimento de opinião que se opera ultrapassou toda expectativa. Crede, meus irmãos, que vosso exemplo não deixou de ter influência nisso.

Recebei nossas felicitações pela maneira pela qual sabeis compreender e praticar a doutrina. Sei quão grandes são as provas que muitos de vós tendes de suportar. Só Deus lhes conhece o termo aqui na Terra. Mas, também, quanta força contra a adversidade nos dá a fé no futuro! Oh! Lamentai os que acreditam no nada após a morte, pois para eles o mal presente não tem compensação. O incrédulo infeliz é como o doente que não espera a cura. Ao contrário, o espírita é como aquele que, doente hoje, sabe que amanhã estará curado.

Pedis que continue com os meus conselhos. Eu os dou de boa vontade aos que os pedem e creem que deles necessitam. Mas só a esses. Aos que julgam saber muito e que dispensam as lições da experiência, nada tenho a dizer, a não ser que desejo não tenham um dia de lamentar-se por terem confiado demais nas próprias forças. Tal pretensão, aliás, acusa um sentimento de orgulho, contrário ao verdadeiro espírito do Espiritismo. Ora, pecando pela base, aqueles provam, só por isto, que se afastam da verdade. Não sois desse número, meus amigos, por isso aproveito a circunstância para vos dirigir algumas palavras que vos provarão que, de perto ou de longe, sou todo vosso.

No ponto em que hoje as coisas se acham e considerando-se a marcha do Espiritismo por meio dos obstáculos semeados em sua rota, pode-se dizer que as principais dificuldades foram vencidas. Ele tomou o seu lugar e assentou-se em bases que de agora em diante desafiam os esforços dos adversários.

Pergunta-se como pode ter adversários uma doutrina que nos torna felizes e melhores. Isto é muito natural. Em seu início, o estabelecimento das melhores coisas sempre fere interesses. Não tem sido assim com todas as invenções e descobertas, que revolucionam a Indústria? Não tiveram inimigos encarniçados aquelas que hoje são consideradas como benefícios e das quais não nos poderíamos privar? Toda lei que reprime abusos não tem contra si os que vivem do abuso? Como queríeis que uma doutrina que conduz ao reino da caridade efetiva não fosse combatida por quantos vivem no egoísmo? E sabeis como estes são numerosos na Terra! No princípio esperavam matá-lo pela zombaria. Hoje veem que tal arma é impotente e que, sob o fogo cerrado dos sarcasmos ele continuou sua rota sem tropeços. Não penseis que eles se confessarão vencidos. Não, o interesse material é mais tenaz. Reconhecendo que é uma potência que agora deve ser levada em conta, vão desfechar ataques mais sérios, mas que servirão para melhor provar a fraqueza deles. Uns o atacarão abertamente, em palavras e atos, e persegui-lo-ão até na pessoa de seus adeptos, tentando desencorajá-los à força de intrigas, enquanto outros sub-repticiamente, por vias indiretas, procurarão miná-lo surdamente. Ficai avisados: a luta não terminou. Estou prevenindo que eles vão tentar um supremo esforço. Não temais, entretanto, pois o penhor do sucesso está nesta divisa, que é a de todos os verdadeiros espíritas: Fora da caridade não há salvação. Hasteai-a bem alto, porque ela é a cabeça de Medusa para os egoístas.

A tática ora em ação pelos inimigos dos espíritas, mas que vai ser empregada com novo ardor, é a de tentar dividi-los, criando sistemas divergentes e suscitando entre eles a desconfiança e a inveja. Não vos deixeis cair na armadilha, e tende certeza de que quem quer que procure, seja por que meio for, romper a boa harmonia, não pode ter boas intenções. Eis por que vos advirto para que tenhais a maior circunspeção na formação dos vossos grupos, não só para a vossa tranquilidade, mas no próprio interesse dos vossos trabalhos.

A natureza dos trabalhos espíritas exige calma e recolhimento. Ora, isto não é possível se somos distraídos pelas discussões e pela expressão de sentimentos malévolos. Se houver fraternidade, não haverá sentimentos malévolos, mas não pode haver fraternidade com egoístas, ambiciosos e orgulhosos. Com orgulhosos que se chocam e se ferem por tudo; com ambiciosos que se desiludem quando não têm a supremacia; com egoístas que só pensam em si mesmos, a cizânia não tardará a ser introduzida. Daí, vem a dissolução. É o que queriam nossos inimigos e é o que tentarão fazer.

Se um grupo quiser estar em condições de ordem, de tranquilidade, de estabilidade, é preciso que nele reine um sentimento fraterno. Todo grupo ou sociedade que se formar sem ter por base a caridade efetiva não terá vitalidade, enquanto os que se formarem segundo o verdadeiro espírito da doutrina olhar-se-ão como membros de uma mesma família que, não podendo viver todos sob o mesmo teto, moram em lugares diversos. Entre eles, a rivalidade seria uma insensatez, pois ela não poderia existir onde reina a verdadeira caridade, porque a caridade não pode ser entendida de duas maneiras. Reconhecei, pois, o verdadeiro espírita pela prática da caridade em pensamentos, palavras e atos, e dizei a vós mesmos que aquele que em sua alma nutre sentimentos de animosidade, de rancor, de ódio, de inveja e de ciúme mente para si mesmo se deseja compreender e praticar o Espiritismo.

O egoísmo e o orgulho matam as sociedades particulares, como matam os povos e as sociedades em geral. Lede a história e vereis que os povos sucumbem sob o amplexo desses dois mortais inimigos da felicidade humana. Quando se apoiarem nas bases da caridade, serão indissolúveis, porque estarão em paz entre si e consigo mesmos, cada um respeitando os bens e os direitos dos vizinhos. Essa será a nova era predita, da qual o Espiritismo é o precursor, e para a qual todo espírita deve trabalhar, cada um na sua esfera de atividade. É uma tarefa que lhes incumbe, e da qual serão recompensados conforme a maneira pela qual a tenham realizado, pois Deus saberá distinguir os que no Espiritismo só procuraram a sua satisfação pessoal daqueles que ao mesmo tempo trabalharam pela felicidade de seus irmãos.

Devo ainda assinalar-vos outra tática dos nossos adversários, a de procurar comprometer os espíritas, induzindo-os a se afastarem do verdadeiro objetivo da doutrina, que é o da moral, para abordarem questões que não são de sua alçada e que, a justo título, poderiam despertar suscetibilidades e desconfianças.

Não vos deixeis cair também nesse laço. Em vossas reuniões, afastai cuidadosamente tudo quando se refere à política e a questões irritantes. A tal respeito, as discussões apenas suscitarão embaraços, enquanto ninguém terá nada a objetar à moral, quanto esta for boa.

Procurai no Espiritismo aquilo que vos pode melhorar. Eis o essencial. Quando os homens forem melhores, as reformas sociais realmente úteis serão uma consequência natural. Trabalhando pelo progresso moral, lançareis os verdadeiros e mais sólidos fundamentos de todas as melhoras. Deixai a Deus o cuidado de fazer com que cheguem no devido tempo. No próprio interesse do Espiritismo, que é ainda jovem, mas que amadurece depressa, oponde uma firmeza inquebrantável aos que buscarem arrastar-vos por uma via perigosa.

Visando desacreditar o Espiritismo, pretendem alguns que ele vá destruir a religião. Sabeis exatamente o contrário, pois a maioria de vós, que mal acreditáveis em Deus e na alma, agora creem; quem não sabia o que era orar, ora com fervor; quem não mais punha os pés nas igrejas, agora vai com recolhimento.

Aliás, se a religião devesse ser destruída pelo Espiritismo, é que ela seria destrutível e o Espiritismo seria mais poderoso. Dizê-lo seria uma inabilidade, pois seria confessar a fraqueza de uma e a força do outro. O Espiritismo é uma doutrina moral que fortifica os sentimentos religiosos em geral e se aplica a todas as religiões. Ele é de todas, e não é de nenhuma em particular. Por isso não diz a ninguém que a troque. Deixa a cada um a liberdade de adorar Deus à sua maneira e de observar as práticas ditadas pela consciência, pois Deus leva mais em conta a intenção do que o fato. Ide, pois, cada um ao templo do vosso culto, e assim provai que vos caluniam quando vos taxam de impiedade.

Na impossibilidade material em que me acho de manter relações com todos os grupos, pedi a um de vossos confrades que me representasse mais especialmente em Lyon, como o fiz alhures: é o Sr. Villon, cujo zelo e devotamento são do vosso conhecimento, tanto quanto a pureza de seus sentimentos. Além disso, sua posição independente lhe dá mais folga para a tarefa de que se quer encarregar. É tarefa dura, mas ele não recuará. O grupo por ele formado em sua casa o foi sob os meus auspícios e conforme as minhas instruções, quando de minha última viagem. Ali encontrareis excelentes conselhos e salutares exemplos. É com viva satisfação que verei todos os que me honram com sua confiança a ele se ligarem, como a um centro comum. Se alguns quiserem fazer um grupo à parte, não os olheis com prevenção. Se vos atirarem pedras, nem as recolhais, nem as devolvais. Entre eles e vós, Deus será o juiz dos sentimentos de cada um. Que aqueles que se julgam os únicos certos o provem por maior caridade e maior abnegação de amor-próprio, porque a verdade não estaria ao lado dos que desconhecem o primeiro preceito da doutrina. Se estiverdes em dúvida, fazei sempre o bem: os erros do espírito pesam menos na balança de Deus que os erros do coração.

Repetirei aqui o que disse noutras ocasiões: em caso de divergência de opiniões, o meio fácil de sair da dúvida é ver qual a que reúne a maioria, pois há nas massas um bom-senso inato, que não engana. O erro só seduz alguns espíritos enceguecidos pelo amor próprio e por um falso julgamento, mas a verdade sempre acaba vencendo. Tende certeza, portanto, que o erro deserta das fileiras que se esclarecem e que há uma obstinação irracional em crer que um só tenha razão contra todos. Se os princípios que eu professo só tivessem ecos isolados, e se tivessem sido repelidos pela opinião geral, eu seria o primeiro a reconhecer que me havia enganado. Mas vendo crescer incessantemente o número dos aderentes em todas as camadas da Sociedade e em todos os países do mundo, devo acreditar na solidez das bases sobre as quais repousam. Eis por que vos digo com toda a segurança para que marcheis com passo firme na via que vos é traçada. Dizei aos antagonistas que se eles querem que os sigais, que vos ofereçam uma doutrina mais consoladora, mais clara, mais inteligível, que melhor satisfaça à razão e que, ao mesmo tempo, seja uma garantia melhor para a ordem social. Pela vossa união, frustrai os cálculos dos que vos queiram dividir. Provai, enfim, pelo vosso exemplo, que a doutrina nos torna mais moderados, mais brandos, mais pacientes, mais indulgentes, o que será a melhor resposta aos detratores, ao mesmo tempo que a vista dos resultados benéficos é o melhor meio de propaganda.

Eis, meus amigos, os conselhos que vos dou e aos quais junto os meus votos para o ano que começa. Não sei que provas Deus nos destina para este ano, mas sei que, sejam quais forem, as suportareis com firmeza e resignação, pois sabeis que para vós, como para o soldado, a recompensa é proporcional à coragem.

Quanto ao Espiritismo, pelo qual vos interessais mais que por vós mesmos, e cujo progresso, pela minha posição, posso julgar melhor que ninguém, sinto-me feliz em dizer-vos que o ano se inicia sob os mais favoráveis auspícios, e que ele verá, sem dúvida nenhuma, o número dos adeptos crescer numa proporção imprevisível. Mais alguns anos como estes que se passaram, e o Espiritismo terá a seu favor três quartas partes da população.

Deixai que vos cite um fato entre milhares.

Num departamento vizinho de Paris há uma cidadezinha onde o Espiritismo penetrou apenas há seis meses. Em poucas semanas tomou um desenvolvimento considerável. Uma oposição formidável logo foi organizada contra os seus partidários, ameaçando até os seus interesses particulares. Eles enfrentaram tudo com uma coragem e um desinteresse dignos dos maiores elogios. Entregaram-se à Providência e a Providência não lhes faltou. Essa cidade conta com uma população operária numerosa, em cujo meio as ideias espíritas, graças à oposição levantada, aumenta dia a dia. Ora, um fato digno de nota é que as mulheres e as moças esperaram sua gratificação de ano-novo para comprarem as obras necessárias à sua instrução e só para essa cidade um livreiro teve que remetê-las às centenas.

Não é prodigioso ver simples operárias reservarem suas economias para comprar livros de moral e de filosofia em vez de romances e bugigangas? Homens preferindo essa leitura às alegrias ruidosas e embrutecedoras dos cabarés? Ah! É que aqueles homens e aquelas mulheres, que sofrem como vós, agora compreendem que não é aqui que se realiza a seu destino. Abrem-se as cortinas, e eles entreveem os esplêndidos horizontes do futuro. Essa cidadezinha é Chauny, no departamento do Aisne. Novos filhos da grande família, eles vos saúdam, irmãos de Lyon, como seus irmãos maiores, e desde já formam um dos elos da cadeia espiritual que une Paris, Lyon, Metz, Sens, Bordeaux e outras, e que em breve ligarão todas as cidades do mundo num sentimento de mútua confraternidade, porque em toda parte o Espiritismo lançou sementes fecundas e seus filhos se dão as mãos por cima das barreiras dos preconceitos de seitas, castas e nacionalidades.

Vosso dedicado irmão e amigo,

ALLAN KARDEC