terça-feira, 27 de maio de 2008

O Livro dos Espíritos e a Educação

A primeira característica de O Livro dos Espíritos, nem sempre percebida, é a sua forma didática. Não fosse Kardec um pedagogo, habituado à disciplina pestalozziana, e os Espíritos do Senhor não teriam conseguido na Terra um tão puro reflexo dos seus pensamentos. Mas a didática de Kardec nessa obra não se limita à técnica de ensinar. E uma didática transcendente insuflada pelo espírito, que mais se aproxima da Didática Magna de Comenius do que dos manuais técnicos dos nossos dias.

A Educação Espírita brota desse livro como água da fonte: espontânea e necessária. Logo na Introdução temos um exemplo disso. Não se trata apenas de introdução à obra, mas à Doutrina Espírita. Ao invés de uma justificativa e uma explicação do livro, temos uma abertura para a compreensão de todo o seu conteúdo e até mesmo da posição do Espiritismo no vasto panorama da cultura terrena, abrangendo as áreas até então conflitivas do Conhecimento e estabelecendo entre elas as ligações indispensáveis. Sim, indispensáveis porque o conflito entre as áreas culturais era o maior obstáculo à compreensão global do homem que o Espiritismo trazia.

Ainda agora, em nossos dias (década de 70), o Prof. Rhine assinalou a existência de várias concepções antropológicas conflitivas: a religiosa ou teológica, a científica ou materialista, a filosófica materialista ou espiritualista e assim por diante. (Ver O Novo Mundo da Mente, de J. B. Rhine.) O que a Parapsicologia se propõe a fazer, mais de cem anos depois, Kardec já realizara com O Livro dos Espíritos. Se os cientistas não perceberam isso, os espíritas por todo o mundo se beneficiaram com a nova concepção gestáltica e se incumbiram de propagá-la.

Bastaria isso para mostrar e provar que a didática de Kardec nessa obra transcendeu os limites puramente didáticos para atingir dimensões pedagógicas. Não poderíamos dizer que O Livros dos Espíritos é um tratado de Pedagogia, pois o seu objetivo específico não é a Pedagogia. Mas é evidente que se trata de um verdadeiro manual de Educação, no mais amplo e elevado sentido do termo. Seu objetivo explicito é ensinar e educar. O ensino ressalta desde as primeiras linhas e se desenvolve até as últimas, sem solução de continuidade. Mas esse ensino não se limita à transmissão de dados técnicos de informações culturais objetivas. Pelo contrário, projeta-se além desses dados e leva o estudante ao campo pedagógico da formação moral e espiritual. Ao terminar a sua leitura o estudante atento e perspicaz adquiriu novos conhecimentos, mas conquistou principalmente uma nova concepção do homem, da vida e do Universo. E mais do que isso, realizou o desígnio da sua própria existência, que é a sintonia do seu ser com o Ser Supremo: Deus.

O Sr. Sanson, materialista, lendo esse livro volta ao espiritualismo e se reencontra com Deus. Os caminhos da fé lhe eram vedados pela barreira do ilogismo religioso, mas O Livro dos Espíritos lhe demonstrou que entre os caminhos para Deus o da razão era o mais seguro. Este exemplo concreto e histórico, referido pelo próprio Kardec, mostra-nos a ligação das áreas culturais. Sanson ilustra essa ligação, como tantos outros o fariam mais tarde, ao atingir a fé pela razão.

Podemos dizer que, na Educação, segundo a conhecida proposição de Kerchensteiner¹, a Didática é o campo da cultura objetiva e a Pedagogia, que abrange naturalmente aquela, é o campo da cultura subjetiva. Mais de cem anos antes de Kerchensteiner fazer essa proposição Kardec já a havia utilizado com êxito na elaboração de O Livro dos Espíritos.

Pode-se alegar que essa não foi uma realização de Kardec, e sim dos Espíritos. Convém lembrar que a organização do livro, e até mesmo a sua fatura na produção do texto, através das perguntas que provocaram as respostas espirituais, estiveram a cargo de Kardec. Nessa prodigiosa elaboração os Espíritos contribuíram com a matéria-prima, mas Kardec foi o artesão paciente e lúcido, esclarecido e capaz.A preocupação de Kardec com as palavras, por exemplo, revela o cuidado do professor terreno que tem de aplicar os termos com exatidão para se fazer compreender. Os Espíritos não se importavam com isso, como muitas vezes disseram ao mestre, pois o que lhes interessava era o pensamento e seu significado intrínseco, sua substância. Mas Kardec estava encarnado — era o homem no mundo — e por isso mesmo atento aos problemas do mundo. Vemos na Introdução como ele, logo de início procura e consegue definir com clareza os termos para que "a ambigüidade das palavras" não leve o leitor a confusões perigosas ou os possíveis exegetas a interpretações deturpadoras.

O Resumo da Doutrina dos Espíritos, que encontramos na Introdução, é outra prova do trabalho pessoal de Kardec e da maneira por que ele sabia colocar a Didática em função da Educação, entrosando-a na Pedagogia não só como instrumento de ensino, mas sobretudo como função pedagógica. A leitura atenta e meditada desse resumo seria suficiente para esclarecer um leitor realmente interessado no assunto e predispô-lo à renovação interior. Nesse sentido, podemos dizer que Kardec realizou o sonho de Pestalozzi: deu ao mundo uma forma viva de ensino que ao mesmo tempo informa e forma, instrui e moraliza.

A dinâmica pedagógica de O Livro dos Espíritos teria impedido o desvirtuamento da Educação através do pragmatismo educacional, se porventura os pedagogos do século XX o tivessem encarado com isenção de ânimo e os cientistas, na sua maioria, não se tivessem deixado embriagar pelas teorias materialistas.

[Fonte: Pedagogia Espírita, José Herculano Pires. ]


¹ - Quem foi Georg Kerschenteiner citado por Herculano no artigo acima?

Kerschensteiner ensinou em todos os níveis de ensino e exerceu funções públicas de conselheiro escolar da cidade de Munique e real comissário das escolas bávaras. Na Universidade de Munique, foi professor de Teoria da Educação. As suas maiores influências pedagógicas foram Pestalozzi e Dewey, embora também tenha tido grandes afinidades com Eduard Spranger.

"Em Kerschensteiner a teoria brota naturalmente da prática, ou melhor, uma e outra estão em intercâmbio permanente. Sustentava, como o seu mestre Pestalozzi, que todo o ensino deve adaptar-se aos graus de desenvolvimento do espírito, pois a educação verdadeira só se realiza mediante o encontro fecundo de um espírito receptivo com os bens culturais de acordo com o dito espírito".

>>> http://www.eses.pt/usr/ramiro/docs/etica_pedagogia/ebook_hist_idpedag/Cap%2035%20Georg%20Kershensteiner.pdf
>>> http://www.espirito.org.br/portal/artigos/ednilsom-comunicacao/dij-fep/nasc.html
>>> http://pt.wikipedia.org/wiki/Georg_Kerschensteiner

Existem mais artigos, mas por serem ou em língua estrangeira, ou super resumido, preferi deixar estes, que servem como informativo.

Abraços e bom estudo!

2 comentários:

  1. Anderson,muito bonito seu blog,é sempre bom termos material sério ,nos ensinando,alicerçando e tirando nossas dúvidas. Muito interessante,concordo plenamente com a frase: "A educação Espírita brota desse livro como água da fonte”... a única forma de evitarmos equivoco é estudando com afinco o Livro dos Espíritos.

    estejamos sempre vigilantes em nossa caminhada
    Continuemos no bem...
    abraço

    ResponderExcluir
  2. Anderson...

    Bom que existem pessoas ao teu estilo.

    O blog está excelente.

    Um abraço.

    Lustato

    ResponderExcluir