sábado, 20 de agosto de 2011

Kardec e os conselhos de Erasto



Considerado por Allan Kardec como um Espírito que produziu comunicações que traziam o cunho incontestável da profundeza e da lógica, Erasto é um daqueles Espíritos a quem podemos chamar de sábio e profundo conhecedor da fenomenologia mediúnica. Não por acaso são encontradas muitas comunicações de sua autoria em um capítulo de O Evangelho segundo o Espiritismo e por todo O Livro dos Médiuns.

O capítulo XX, Influência Moral do Médium, é um destes. Tendo por objetivo aprofundar o conhecimento sobre a influência moral do médium na produção dos fenômenos espíritas, este capítulo é rico em informações para os espiritistas. Nele, Kardec desejava precaver os adeptos do Espiritismo contra o perigo de subestimar ou superestimar a influência dos médiuns na transmissão dos despachos de além túmulo.

Ele deve ser estudado atendendo ao sábio conselho dado pelo codificador, quando alerta que “o estudo prévio da teoria é indispensável, se o médium pretende evitar os inconvenientes inseparáveis da falta de experiência” [1]. Aprendemos neste capítulo que não existem médiuns perfeitos na Terra, mas bons médiuns, o que segundo os Espíritos já é muito, pois eles são raros! Até porque,

“O médium perfeito seria aquele que os maus Espíritos jamais ousassem fazer uma tentativa de enganar. O melhor é o que, simpatizando somente com os bons Espíritos, tem sido enganado menos vezes”.

É importante observar este trecho com atenção. Primeiro, porque não existe médium infalível. O que nos leva à certeza de que não há comunicação isenta de falhas, muito menos inquestionável. Segundo, porque se o melhor médium é o que tem sido enganado menos vezes, como supor que exista algum ‘intocado’ pelos Espíritos inferiores? Por exemplo: justamente pelo valor da sua história e da sua importância para o movimento espírita brasileiro e mundial, supor ser o Chico Xavier perfeito e isento de falhas seria demonstrar ignorar os mais básicos princípios do Espiritismo. Condenar uma análise crítica feita sobre alguma das suas obras psicografadas seria ignorar as insistentes recomendações feitas por Kardec e principalmente por São Luís quando afirma que

“Por mais legítima confiança que vos inspirem os Espíritos [...], há uma recomendação que nunca seria demais repetir e que deveis ter sempre em mente ao vos entregardes aos estudos: a de pesar e analisar, submetendo ao mais rigoroso controle da razão TODAS as comunicações que receberdes; a de não negligenciar, desde que algo vos pareça suspeito, duvidoso ou obscuro, de pedir as explicações necessárias para formar a vossa opinião”(Grifos nossos). [2]

A questão 10, do capítulo supracitado é valiosíssima por afirmar que

“Os Espíritos bons permitem que os melhores médiuns sejam às vezes enganados, para que exercitem o seu julgamento e aprendam a discernir o verdadeiro do falso. Além disso, por melhor que seja um médium, jamais é tão perfeito que não tenha um lado fraco, pelo qual possa ser atacado. Isso deve servir-lhe de lição. As comunicações falsas que recebe de quando em quando são advertências para evitar que se julgue infalível e se torne orgulhoso. Porque o médium que recebe as mais notáveis comunicações não pode se vangloriar mais do que o tocador de realejo, que basta virar a manivela de seu instrumento para obter belas árias”.

É incrível observar que se a maioria dos médiuns se propusesse a estudar esta magnífica obra de forma séria e metódica, a prudência teria evitado que diversas obras de conteúdo duvidoso tivessem sido publicadas, o que tornaria o movimento espírita brasileiro muito mais sério, respeitado e livre dos pseudossábios e mistificadores que entravam a sua obra de emancipação de consciências.

Entretanto, por mais sublimes e indispensáveis sejam estas informações, não são as únicas pérolas encontradas neste capítulo. Existe ainda uma advertência de Erasto com relação às comunicações repletas de ideias heterodoxas, “espiriticamente falando” que possam vir dos Espíritos e que poderiam ser insinuadas em meio às coisas boas junto a fatos imaginados, asserções mentirosas, com tamanha habilidade que poderiam enganar as pessoas de boa fé. Ele ainda estimula a eliminação sem piedade de toda palavra e toda frase equívoca, conservando-se na comunicação somente o que a lógica aprova ou o que a doutrina já ensinou; afirma que “onde a influência moral do médium se faz realmente sentir é quando este substitui pelas suas ideias pessoais aquelas que os Espíritos se esforçam por lhe sugerir. É quando ele tira da sua própria imaginação, as teorias fantásticas que ele mesmo julga, de boa fé [mas nem sempre], resultar de uma comunicação intuitiva (Grifos nossos). Erasto também alerta ser necessário aos dirigentes espíritas possuírem um tato apurado e uma rara sagacidade para poder discernir as comunicações verdadeiras e não ferir o amor próprio daqueles que se permitem iludir com jóias falsas.

É neste momento que ele nos oferece um de seus mais famosos e importantes conselhos:

“Na dúvida, abstém-te, diz um dos vossos provérbios. Não admitais, pois, o que não for para vós de evidência inegável. Ao aparecer uma nova opinião, por menos que vos pareça duvidosa, passai-a pelo crivo da razão e da lógica. O que a razão e o bom senso reprovam rejeitai corajosamente. MAIS VALE REJEITAR DEZ VERDADES DO QUE ADMITIR UMA ÚNICA MENTIRA, UMA ÚNICA TEORIA FALSA. Com efeito, sobre essa teoria poderíeis edificar todo um sistema que desmoronaria ao primeiro sopro da verdade, como um monumento construído sobre a areia movediça. Entretanto, se rejeitais hoje certas verdades, porque não estão para vós clara e logicamente demonstradas, logo um fato chocante ou uma demonstração irrefutável virá vos afirmar a sua autenticidade”.

Embora ela tenha se tornado uma regra de ouro [a frase destacada em maiúsculo], conforme J. Herculano Pires afirmou, devendo ser constantemente observada nos trabalhos e estudos espíritas, isolada do seu contexto ela perde a sua riqueza, o seu caráter especial, ficando deslocada e nem sempre parecendo justa. Analisemos a sua estrutura.

Primeiro reencontramos um sábio provérbio: “na dúvida, abstém-te”. Pois quem nunca duvidou não pode afirmar que encontrou a verdade, que adquiriu a convicção. O codificador é um belo exemplo de como a dúvida, sem exageros, conduz à verdade. É valiosíssimo o depoimento de Kardec encontrado em Obras Póstumas, onde ele afirma que um dos primeiros resultados das suas observações foi saber que os Espíritos nada mais são que as almas dos homens, possuindo conhecimentos limitados à sua condição evolutiva e que por isto as suas opiniões tinham o valor de uma opinião pessoal, nada mais. Foi esta verdade, compreendida desde o início que o protegeu de acreditar ingenuamente na infalibilidade dos Espíritos e de elaborar teorias prematuras com base nos ditados de uns ou de alguns [5]. Quantas teorias não são construídas dentro desta perspectiva? Os vários corpos do perispírito, em gritante oposição ao conceito formulado pelo codificador, a magia, as informações e afirmações sobre Física Quântica relacionados com o Espiritismo são alguns exemplos de ‘teorias’ edificadas em informações pessoais dos Espíritos como se fossem absolutamente verdadeiras. Elas não foram observadas, analisadas, criticadas, reavaliadas para serem aceitas como verdades verificadas. Aqui é onde entra a importância da abstenção. Pois se não possuo a firme convicção oriunda da análise sistemática, racional e eminentemente lógica e da experiência, como posso supor que uma determinada informação é verdadeira? Não podemos agir por achismos dentro do movimento espírita.

Em segundo lugar encontramos a importância de passar toda opinião, por menos duvidosa que pareça, pelo crivo da razão e da lógica. Como afirma Erasto, “é incontestável que, submetendo-se ao cadinho da razão e da lógica todas as observações sobre os Espíritos e todas as suas comunicações, será fácil rejeitar o absurdo e o erro” [6]. As palavras destacadas dão um valor importantíssimo à citação. Primeiro porque ressalta a importância de que haja um exame severo sobre os Espíritos comunicantes e suas comunicações. Segundo por que para Erasto, quem assim procede, não encontra dificuldades em perceber a ponta da orelha do mentiroso, do pseudossábio, do fanfarrão. Até porque estes Espíritos mistificadores podem, fingindo amor e caridade, semear a desunião e retardar o progresso da humanidade e da Ciência Espírita ao propagarem seus sistemas absurdos, muitas vezes com a ajuda não só de médiuns imprevidentes, mas de casas espíritas que se julgam privilegiadas, ou onde reinam a superstição e a falta de um estudo sistemático da Codificação. Não é à toa que Herculano Pires escreve que a

“confiança de Kardec na análise racional das comunicações é acertada, mas depende do critério seguro de quem analisa. Por isso mesmo é conveniente fazer a análise em conjunto e recorrer, no caso de dúvida, a outras pessoas de reconhecido bom senso. O Espírito farsante pode influir sobre um indivíduo e sobre um grupo, o que tem ocorrido com freqüência em virtude da vaidade, da pretensão ou do misticismo dominante. Comunicações avulsas e até obras mediúnicas alentadas, evidentemente falsas, têm sido publicadas, aceitas e até mesmo defendidas por grupos e instituições diversas”. [3]

Terceiro, após as considerações acima expostas, compreendemos que o conselho do Erasto visa antes à prudência que o exagero. E isto fica muito claro quando ele desenvolve seu raciocínio, no fim deste parágrafo, ao afirmar que se hoje rejeitamos certas verdades, pelo fato de não estarem devidamente demonstradas amanhã um fato “chocante” poderá afirmar a sua autenticidade. E este é o ponto chave da sua afirmação, pois se não temos certeza de uma opinião, como podemos provar a sua autenticidade? Por mais respeitável que seja o nome que subscreva a comunicação, por mais atraente que seja uma teoria, só o tempo e uma metodologia de pesquisa adequada poderão provar que ela está correta. É por isto que não devemos ter medo de rejeitar uma ideia, sem, no entanto, ignorar que ela pode, se for testada e averiguada, provar estar certa. Esta observação é confirmada por Kardec da seguinte forma:

“Se é certo que a utopia de hoje se torna muitas vezes a verdade de amanhã, deixemos que o futuro realize a utopia de hoje, mas não enredemos a Doutrina com princípios, que possam ser considerados quimeras e a tornem rejeitada pelos homens positivos” [4].

Como pudemos ver nesta sucinta análise, não é absurdo rejeitar dez verdades para não ter que aceitar uma mentira porque não estão clara e logicamente demonstradas. E é justamente por conselhos como estes, compreendidos em seu contexto, que Kardec considerou Erasto um Espírito Superior, pois só um poderia ensinar tanto com tão pouco. O estudo das suas mensagens deve ser obrigatório nas casas espíritas. E diferente de outros “espíritos famosos” da atualidade, muito verbosos e prolixos, com suas dezenas de perispíritos e magos, este sim é um ilustre desconhecido que precisa ser redescoberto!

[1] KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. 23ª Ed. SP – LAKE, 2004. Cap. XVII, p. 177
[2] ______. Idem. Cap. XXIV, item 266, p. 236
[3] ______. Idem, ibidem
[4] ______. Obras Póstumas. 14ª Ed. SP, LAKE – 2007. Segunda parte, Dos Cismas, p. 282
[5] ______. Idem, p. 218
[6] ______. O Evangelho segundo o Espiritismo. 61ª Ed. SP – LAKE, 2006. Cap. XXI, item 10, p. 265

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Alguns Comentários Sobre Física Quântica e Espiritismo


Nota: o presente artigo tem o intuito de oferecer alguns esclarecimentos com relação às informações sobre física quântica que o autor leu na resenha sobre o VI SIMESPE e de suas vivências como físico, escritor e palestrante espírita Brasil afora. É um complemento à resenha já citada e deve ser lido com atenção e sem pressa. 


Alguns Comentários Sobre Física Quântica e Espiritismo



Alexandre Fontes da Fonseca

            Na Revista Espírita de Julho de 1860 [1], no último parágrafo do ítem “Observação Geral”, Kardec diz: 

Assim, é sobretudo nas teorias científicas que precisa haver muita prudência e evitar dar precipitadamente como verdades sistemas por vêzes mais sedutores que reais e que, mais cedo ou mais tarde, podem receber um desmentido oficial. (Grifos nossos).

Em seguida acrescenta:

Diz um provérbio: ‘Nada mais perigoso que um amigo imprudente.’ Ora, é o caso dos que, no Espiritismo, se deixam levar por um zêlo mais ardente que refletido. (Grifos nossos).

            A afirmação acima é de grande importância para o movimento espírita em vista do interesse atual no desenvolvimento da Ciência e em particular, na Física Quântica. Uma rápida busca na internet apresenta diversas doutrinas e práticas espiritualistas que dizem possuir demonstrações de seus conceitos em termos da Física Quântica. No meio espírita, há obras de autoria de encarnados e desencarnados que se utilizam de conceitos da Física Quântica na tentativa de explicar ou esclarecer determinados temas de estudo. Mas, estaria a Física Quântica realmente dando *contribuições* ao Espiritismo? Será que pode estar havendo o que Kardec mencionou como tendo zêlo mais ardente do que refletido em algumas afirmações relacionando Física Quântica e Espiritismo? 

            Um zêlo ardente pode ser entendido como uma defesa a um assunto de modo apaixonado e emocional, por acreditar que isso pode ajudar ou validar aquilo que se está defendendo. Um exemplo pode ser ilustrado da seguinte maneira. Suponha que notícias nos chegam de que uma coisa, que é reconhecidamente importante dentro de uma área do conhecimento humano (como a Ciência, por exemplo), está ajudando a divulgar uma determinada doutrina ou teoria filosófica. Suponha que não sabemos bem o que é essa coisa, mas que temos observado pessoas que detém títulos universitários defenderem a ligação entre a coisa e alguma doutrina espiritualista, como algo verdadeiro e seguro. Desejosos de ver o Espiritismo mais *divulgado* e *valorizado* começamos a acreditar e a repetir em discursos no movimento espírita, que essa coisa também demonstra a validade dos conceitos do Espiritismo. Isso é um exemplo de zêlo ardente. Por quê? Porque nós não buscamos conhecer em profundidade o que é essa coisa e decidimos confiar na opinião alheia dos que a defendem, acreditando que isso vai ajudar o Espiritismo. Portanto, num zêlo ardente, agimos apenas pela *emoção* relacionada ao desejo de ver a nossa doutrina validada por um assunto considerado importante pela sociedade humana. 

            Um zêlo refletido é uma defesa à nossa doutrina com reflexão. Refletir envolve a leitura dos conceitos, meditação, comparação de valores e significados, testes, experimentos e uma conclusão obtida com toda a lógica que o bom senso científico e filosófico permitem. O comentário acima citado de Kardec de que “... é sobretudo nas teorias científicas que precisa haver muita prudência e evitar dar precipitadamente como verdades sistemas por vêzes mais sedutores que reais e que, mais cedo ou mais tarde, podem receber um desmentido oficial” (grifos nossos) é um exemplo de zêlo refletido porque ele sabia que as Ciências se desenvolvem através de muito rigor e a análise crítica de tudo o que os cientistas criam e descobrem. 

            Um outro exemplo de zêlo refletido encontramos nas palavras de André Luiz em seu prefácio da obra Mecanismos da Mediunidade [2]: “Aliás, quanto aos apontamentos científicos humanos, é preciso reconhecer-lhes o caráter passageiro, no que se refere à definição e nomenclatura, atentos à circunstância de que a experimentação constante induz os cientistas de um século a considerar, muitas vezes, como superado o trabalho dos cientistas que os precederam.” (Grifos nossos). Adiante ele acrescenta que:  “Assim, as notas dessa natureza, neste volume, tomadas naturalmente ao acervo de informações e deduções dos estudiosos da atualidade terrestre, valem aqui por vestimenta necessária, mas transitória, da explicação espírita da mediunidade, que é, no presente livro, o corpo de idéias a ser apresentado.” (Grifos nossos). Ambos os comentários acima demonstram a reflexão feita por André Luiz de que a Ciência está sempre evoluindo em seus conceitos e que por isso não se deve tomar como absolutas as explicações para os mecanismos da mediunidade contidas na obra. Em outras palavras, André Luiz não considera que os conceitos da Ciência (nesta obra em particular, os conceitos da Física) estão demonstrando cientificamente a mediunidade, mas sim utilizando seus conceitos para tentar traduzir em uma linguagem já acessível a nós encarnados, os mecanismos do fenômeno da mediunidade. Além disso, não se pode dizer que a Ciência estaria comprovando o que André Luiz diz nessa obra pois ele foi claro ao dizer que “...as notas dessa natureza, neste volume, tomadas naturalmente ao acervo de informações e deduções dos estudiosos da atualidade terrestre...” e por isso os conceitos que ele utilizou já foram comprovados pela Ciência. 

            Assim, podemos agora analisar e refletir algumas afirmações feitas no movimento espírita de que a Física Quântica estaria confirmando alguns conceitos espíritas. Vamos aproveitar o comentário recente de A. Santiago em seu blog “Análises Espíritas” [3], em que apresenta uma extensa e detalhada resenha do VI Simpósio de Estudos e Práticas Espíritas de Pernambuco, ou SIMESPE, com o tema: “A Ciência a caminho da espiritualização – A importância do Espiritismo no processo evolutivo do ser”. O VI SIMESPE aconteceu nos dias 15, 16 e 17 de Julho no Centro de Convenções de Pernambuco, em Olinda. Em particular, nos interessa a descrição de A. Santiago de uma palestra do VI SIMESPE intitulada “Contribuição da Física Quântica no processo de interação mente/corpo – Comprovações científicas das informações de André Luiz”, realizada pelo Dr. Décio Iandoli. 

            Primeiramente, devemos fazer a importante ressalva de que os comentários a seguir se baseiam apenas no que foi postado no blog e que de modo algum significam crítica ao palestrante a quem devemos todo o respeito e admiração pelos esforços que tem feito na divulgação da Doutrina Espírita. 

Primeiramente, temos o dever de informar que a Física Quântica não está, formalmente ou profissinalmente falando, contribuindo para a confirmação dos conceitos espíritas ou espiritualistas. Para a Ciência, incluindo a Física, a mente ou a consciência nada mais são do que fenômenos que emergem da complexidade da rede de neurônios que compõem o cérebro. Existem pesquisadores que dentro do escopo da teoria quântica, buscam identificar o que seria a mente ou a consciência. Porém, isso não é uma busca pelo Espírito, mas sim pela descoberta de efeitos quânticos do cérebro que pudessem representar a consciência. Como a teoria quântica é uma teoria material, ela só se aplica a objetos ou coisas materiais. Por isso, uma consequência desses estudos é que morto o cérebro, morta a consciência ou mente quântica. Por serem formados de átomos, o cérebro pode até mesmo possuir ou manifestar efeitos quânticos. Mas, além de termos que aguardar até que essas pesquisas forneçam alguma informação confiável, isso ainda não constituirá uma demonstração do Espírito como agente da vida. 

Sobre possíveis "Comprovações científicas das informações de André Luiz", eu gostaria de fazer um comentário de que tudo o que André Luiz fala com base na Física, daquilo que não estiver equivocado (ver artigo da Ref. [4]), já havia sido comprovado. 

Sobre a palestra em questão, A. Santiado fez os seguintes comentários: “Tudo bem que ele falou mais das nossas escolhas, da influência do observador sobre a realidade, daquilo que está mais próximo da nossa realidade sensível, material e não da espiritual, querendo forçar conceitos de hiperespaço ou universos paralelos como se fossem teorias explicativas da realidade espiritual." Nesse tipo de colocação, percebemos a boa intenção do palestrante em tentar relacionar as interpretações estranhas e misteriosas da teoria quântica em termos de conceitos espirituais. Porém, em vista da complexidade e da importância em desenvolvermos um zêlo refletido sobre o assunto, vamos esclarecer os erros nesse tipo de afirmações em vista da responsabilidade que temos perante os leitores, em particular os mais jovens. Vamos dividir os pontos importantes por questões: 

- A questão da influência do observador sobre a realidade não é bem o que vários espiritualistas tem afirmado. Não basta *querer* para que a realidade se altere. A *vontade* é importante mas, conforme orienta o Evangelho, a nossa influência sobre a realidade depende de realizarmos pelo nosso livre-arbítrio, todo os esforços ao nosso alcance para o bem geral. Não existe poder especial ou místico sobre a realidade. A teoria quântica afirma que os resultados possíveis de uma medida obedecem a leis probabilísticas. Se o cientista pudesse influenciar o resultado, ele determinaria o resultado de acordo com o seu desejo e não ficaria, portanto, sujeito à probabilidades. Mais adiante, ao comentar sobre a escolha do observador, o equívoco na interpretação do conceito de influência do observador na teoria quântica ficará mais claro. 

- A questão sobre conceitos de hiperespaço e universos paralelos é outra que gera confusão com conceitos espíritas ou espiritualistas relacionados ao mundo espiritual. Para a Física, o conceito de  universos paralelos não implica em nada de natureza espiritual. Se esses universos paralelos existirem, eles serão universos materiais, podendo ser quase iguais ou muito diferentes do nosso próprio universo. A teoria de universos paralelos [5] surgiu de uma idéia proposta nos anos 50 de que o Universo inteiro seria representado por uma função de onda e teria, assim, possibilidades diferentes. Cada uma dessas possibilidades seria um universo inteiro com coisas e seres semelhantes ou diferentes de nós, mas cada um com uma dada probabilidade. Ao fazer-se uma medida, aquilo que em Física Quântica é conhecido como o colapso da função de onda (a ser comentado adiante) ao invés de nos fazer pensar que o sistema evoluiu de modo irreversível para o estado final relacionado com o resultado da medida, o que ocorre é que apenas vemos o resultado relacionado com o nosso universo próprio, enquanto que os outros resultados ocorrem em universos paralelos, sem comunicação com os outros ou conosco. Isso resolve, de certa forma, os problemas filosóficos em torno da questão da medição em mecânica quântica e o colapso da função de onda. Por exemplo, diante de uma situação como decidir se ir para a direita ou para esquerda, essa teoria de universos paralelos prevê existem dois universos relacionados a essa escolha: um em foi escolhido ir para a direita e outro em que foi escolhido ir para a esquerda. Na verdade, não escolhemos nada, pois os dois universos existiriam de modo um independente do outro, e um sem saber o que acontece com o outro. Mas em cada universo, achamos que nós fizemos a escolha. Nessa teoria, os universos paralelos quase não interagem ou interferem uns nos outros. Como essa teoria poderia representar o mundo espiritual se os Espíritos afirmaram a Kardec que o mundo espiritual nos influencia a todo o momento, mais do que imaginamos (questão 459 de O Livro dos Espíritos [6])? Como explicar dois ou mais universos com cópias idênticas ou quase idênticas de nós mesmos nesses universos? Cada uma dessas cópias tem uma cópia do nosso Espírito, da nossa alma? Essa teoria, da forma como ela é, não serve para explicar o mundo espiritual que está ao nosso redor e interage incessantemente conosco. 

Adiante, A. Santiago, em sua resenha sobre o VI SIMESPE diz: "Para encerrar os comentários sobre esta conferência, de acordo com a exposição do Dr. Iandoli, vale ressaltar que conforme a teoria quântica a realidade como a entendemos surge como um resultado [colapso] da escolha que fazemos dentro de um leque de possibilidades." Com todo o respeito, esse também é um equívoco muito comum que decorre das interpretações da Física Quântica. Comentamos essa questão a seguir: 

- A questão sobre a realidade surgir como resultado de uma escolha que fazemos também é um erro de interpretação da teoria quântica. Nós não temos o poder de escolher qual será a realidade que se manifestará dentre as possibilidades que a teoria quântica prevê. Um exemplo ajudará a entebder o que pode acontecer de acordo com a Física Quântica. Considere o fenômeno do spin de um elétron. O spin é uma propriedade magnética intrínseca das partículas subatômicas. Uma medida do spin de um elétron pode apresentar apenas dois resultados representados pelos valores: +1/2 ou -1/2. A teoria quântica prevê que existe uma probabilidade de 50% de chance de se obter um valor +1/2 na medida do spin de um elétron, e 50% de chance de se obter -1/2. Ela não afirma que temos o poder de escolher para que valor de spin (+ ou - 1/2) um determinado elétron terá. A teoria apenas prevê que em uma certa quantidade de elétrons, digamos, por exemplo, em 100 (cem) elétrons, aproximadamente metade deles terão spin +1/2 e metade spin   -1/2. Ninguém tem o poder de escolha ou de determinação sobre que elétrons terão valores positivos ou não de spin. Um pouco dessa confusão surge porque de acordo com a Física Quântica, o estado do elétron, se tem spin +1/2 ou -1/2, é indeterminado antes de se fazer uma medida. Ao fazer a medida, um dos valores se revela e o elétron passa a ter esse valor permanentemente (enquanto outras interações não ocorrem com ele, é claro). A teoria quântica não responde à questão sobre *por quê* um determinado elétron manifestou determinado valor de spin

            A idéia da escolha do observador só se aplica para o tipo de característica se deseja medir, de acordo com a chamada dualidade onda-partícula. Por exemplo, para um elétron, podemos medir propriedades ondulatórias ou corpusculares. Essa escolha nós temos, isto é, nós escolhemos se desejamos montar um experimento para medir propriedades ondulatórias, ou um experimento para medir propriedades corpusculares. 

A idéia de que é a consciência que determina a realidade ganhou força no meio espiritualista com as teses do Prof. Amit Goswami que defende que é uma Consciência maior que determina a realidade. Porém, as idéias do Prof. Goswami são induístas e possuem vários conflitos com o que o Espiritismo ensina, conforme análise já publicada na literatura espírita [7].

            Conforme discutido em artigos recentes [8,9], o fato da Física Quântica não estar comprovando o Espiritismo não é motivo de preocupação. Isso pois ela não está, por outro lado, contradizendo nenhum conceito da Doutrina Espírita. Aos que acreditam que a Física Quântica está comprovando o Espiritismo, fica a nossa compreensão respeitosa de que estão tendo um zêlo mais ardente do que refletido, convidando-os a um estudo mais aprofundado da teoria quântica. Uma sugestão é a leitura da obra didática “Conceitos de Física Quântica” volumes I e II, do Prof. Osvaldo Pessoa Jr. [10,11].

            Nossos comentários não significam de modo absoluto que a Física nunca poderá contribuir com o Espiritismo. De fato, em estudos anteriores, mostramos que a Física ajuda a entender alguns conceitos espíritas [12,13]. Porém, esses estudos não significam que a Física esteja demonstrando cientificamente o Espiritismo. 

Um outro aspecto interessante e importante de ser comentado foi percebido por mim por ocasião de um seminário intitulado “O que é Física Quântica e Como Relacioná-la ao Espiritismo?” que apresentamos no Centro Espírita Allan Kardec, de Campinas, em Abril de 2011. O seminário é dividido em duas partes de 50 minutos, em que na primeira parte apresentamos vários conceitos básicos da Física Quântica em linguagem tão acessível quanto possível ao público leigo, e na outra parte, apresentamos uma análise das possíveis relações entre Física Quântica e Espiritismo, apresentando alguns dos equívocos comentados neste artigo. O que é importante comentar é que várias pessoas comentaram comigo que acharam a Física Quântica bastante difícil e que entenderam melhor a segunda parte, onde predominantemente, falamos do Espiritismo. Isso mostra que ao contrário do que se imagina, o estudo da Física Quântica é algo difícil e demanda tempo e dedicação especiais, e que não é com leituras de obras de divulgação, que aprenderemos de modo aprofundado essa teoria da Física. Por essa razão, fazemos nossas as seguintes palavras de recomendação com relação à afirmativas de teor científico que não podemos avaliar: “Melhor é repelir dez verdades do que admitir uma única falsidade, uma só teoria errônea.” (Erasto, no ítem 230 do Cap. XX, de O Livro dos Médiuns [14]). 

            Para concluir, chamamos Kardec (Obras Póstumas [15] e Revista Espírita de Dezembro de 1868 [16]): “Se é verdade que a utopia da véspera, frequentemente, seja a verdade do dia seguinte, deixemos ao dia seguinte o cuidado de realizar a utopia da véspera, mas não embaraçemos a Doutrina com princípios que seriam considerados quimeras e a fariam rejeitar pelos homens positivos.” (Grifos nossos).

Referências
[1] A. Kardec, “Observação Geral”, Revista Espírita, Jornal de Estudos Psicológicos Julho, p. 229 (1860) Ed. Edicel.
[2] Francisco Cândido Xavier e Waldo Vieira, Mecanismos da Mediunidade, pelo Espírito de André Luiz, FEB, 11ª edição, Rio de Janeiro, 1990.
[4] A. F. da Fonseca, “Um Ensaio sobre Matéria e Energia”, FidelidadESPÍRITA 91 (Abril), p. 6 (2010); e 92 (Maio), p. 20 (2010). Reproduzido em:
[5] H. Everet III, “Relative State Formulation of Quantum Mechanics”, Reviews of Modern Physics 29, p. 454 (1957).
[6] A. Kardec, O Livro dos Espíritos, FEB, 1ª edição Comemorativa do Sesquicentenário, Rio de Janeiro, 2006.
[7] A. F. da Fonseca, “A Obra “A Física da Alma” e o Espiritismo”, O Consolador 188, (2010),
[8] A. F. da Fonseca, “O “Medo” da Ciência e a Atualização do Espiritismo: Parte I”, Reformador 2188, Julho 2011, pag. 18, (2011).
[9] A. F. da Fonseca, “O “Medo” da Ciência e a Atualização do Espiritismo: Parte II”, Reformador 2189, Agosto 2011, pag. 18, (2011).
[10] O. Pessoa Jr., Conceitos de Física Quântica Volume I, 1ª Edição, Editora Livraria da Física, São Paulo (2003).
[11] O. Pessoa Jr., Conceitos de Física Quântica Volume II, 1ª Edição, Editora Livraria da Física, São Paulo (2006).
[12] A. F. da Fonseca, “Caos, complexidade e a influência dos espíritos sobre os fenômenos da natureza”, FidelidadESPÍRITA 12 (Setembro), p. 20 (2003).
[13] A. F. da Fonseca, “A Física Quântica e as questões 34 e 34-a de O Livro dos Espíritos”, Reformador, Dezembro, p. 14 (2008).
[14] A. Kardec, O Livro dos Médiuns, Editora FEB, 62ª Edição, Rio de Janeiro (1996).
[15] A. Kardec, Obras Póstumas, IDE, 1ª edição, Araras (1993).
[16] A. Kardec, “Constituição Transitória do Espiritismo, III Dos Cismas”, Revista Espírita, Jornal de Estudos Psicológicos Dezembro, p. 374 (1868) Ed. Edicel.