quinta-feira, 13 de maio de 2010

O Valor da Análise Crítica


Kardec sempre esteve atento ao fato de que cabe ao encarnado a análise crítica de todo o material recebido mediunicamente. Tanto que em seus 15 anos de estudos, em nenhum momento ele prescindiu da análise crítica para a aceitação de qualquer informação vinda dos espíritos.

Cabe ressaltar, antes de qualquer coisa, que a palavra crítica é aqui usada não no sentido popular de maledicência ou de censura, mas, sim, em seu significado próprio que, segundo o Minidicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa, da Editora Lexicon, é “análise para avaliação qualitativa de algo”. Ou seja, uma análise que busca apreciar a qualidade de algo, seja um artigo, uma mensagem mediúnica, uma simples informação ou um livro. Desta forma, fazer a crítica de um livro ou teoria, seja ela de um encarnado ou desencarnado, não é necessariamente condená-lo.

É por isto que José Herculano Pires afirma que, “A crítica como avaliação é indispensável ao desenvolvimento da cultura, ao aprimoramento da inteligência. Sem a justa apreciação de livros e doutrinas estamos sujeitos a enganos que nos levarão a situações desastrosas. Há doutrinas apresentadas com roupagem literária e científica enganadora” [8].

O codificador evidencia que é necessário precaver-se de aceitar o que vem do mundo invisível sem tê-lo submetido ao controle da lógica e da razão, tendo em vista que é o que os bons espíritos recomendam sem cessar, nunca se melindrando com a crítica, porque de duas uma, ou estão seguros do que dizem ou não estão. Quando eles têm consciência de suas limitações são os primeiros a evidenciá-la [3].

Entretanto, bem sabemos que distinguir as comunicações falsas das verdadeiras nem sempre é fácil, porque é graças à gravidade da linguagem que espíritos pseudossábios ou presunçosos tentam impor as ideias mais falsas e os sistemas mais absurdos.

Acrescente-se que na opinião de Kardec “Separar o verdadeiro do falso, descobrir o embuste escondido numa exibição de palavras bonitas, desmascarar os impostores, eis, sem contradita, uma das maiores dificuldades da ciência espírita”. [1]

Encontramos no boletim do número de maio de 1860 a proposta de Kardec realizar, na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, à semelhança do que se faz na crítica literária, como objeto de estudo, um exame aprofundado e detalhado de certos ditados, espontâneos ou não, que se poderiam analisar e comentar [2].

Para Kardec, este gênero de estudo teria a dupla vantagem de exercer a apreciação do valor das comunicações, e em razão desta apreciação crítica, de desencorajar os espíritos enganadores que vendo suas palavras analisadas ponto a ponto, controladas pela razão e rejeitadas desde que tenham um sinal suspeito, acabariam por compreender que perdem seu tempo. Quanto aos Espíritos verdadeiramente superiores, nada tendo a temer deste exame, que eles mesmos encorajam, poder-se-ia chamá-los para pedir-lhes explicações e desenvolvimentos sobre as partes de suas comunicações que necessitassem de maiores esclarecimentos.

É por isto que Kardec afirma na Revista Espírita de 1869 [4] que as comunicações dos Espíritos são opiniões pessoais que não devem ser aceitas cegamente. Que em nenhum momento devemos renunciar ao nosso julgamento e livre-arbítrio, pois seria dar prova de ignorância e leviandade aceitar como verdades absolutas tudo o que venha dos Espíritos. Eles dizem o que sabem e cabe a nós submeter-lhes os ensinos ao controle da lógica e da razão.

Em absoluta concordância com o que foi dito aqui, Santo Agostinho afirma: “Observai e estudai cuidadosamente as comunicações que recebeis; aceitai o que a vossa razão não rejeitar; repeli o que a choca; pedi esclarecimentos sobre as que vos deixam na dúvida”. [5]

Diante do que foi exposto, não seria hora do movimento espírita brasileiro retomar a proposta de Kardec feita no ano de 1860 e formar grupos de estudos voltados para a análise dos ditados dos espíritos, questionando-os e criticando palavra por palavra o que afirmam? Quantas obras publicadas atualmente e erroneamente chamadas de espíritas não seriam muito melhor avaliadas se todos nos preocupássemos em realizar este filtro?

Que fique claro, de antemão, que isto não deveria, nem deve, ser prerrogativa de um grupo, ou de uma federação, apenas, mas o dia a dia comum dos espíritas que se reúnem para estudos e que, esquecidos do valor das evocações, poderiam filtrar muito melhor as informações trazidas pelos espíritos antes de supor que a mediunidade depende exclusivamente da moral para afastar os riscos de mistificação. Ensinam os espíritos em O Livro dos Médiuns que os medianeiros podem ser, e normalmente o são, testados recebendo mensagens ou ditados de espíritos galhofeiros ou pseudossábios no intuito de testar a sua atenção e perspicácia.

E o principal, que sua opinião, ou a do Espírito que se manifesta, isolada, não constitui a verdade, senão uma opinião como a de qualquer outro podendo estar correta ou incorreta, precisando, como afirma Kardec, ser referendada pelo consenso universal, conforme podemos ler abaixo:

“Esta universalidade do ensino dos Espíritos faz a força do Espiritismo. (...) O primeiro controle é, sem contradita, o da razão, ao qual é necessário submeter, sem exceção, tudo o que vem dos Espíritos. (...) A concordância no ensino dos Espíritos é, portanto o seu melhor controle, mas é ainda necessário que ela se verifique em certas condições. (...) A única garantia segura do ensino dos Espíritos está na concordância das revelações feitas espontaneamente, através de um grande número de médiuns, estranhos uns aos outros, e em diversos lugares” [6].

É com muito pesar que observamos estar o movimento espírita brasileiro agindo ao avesso do que tanto escreveu, afirmou e exemplificou o Codificador. Pois o que encontramos em nosso movimento atualmente é um sentimento de aversão à análise crítica, mesmo quando feita dentro de todos os limites pedidos pela educação e bom senso.

Como podemos pensar em ‘atualizar’ a Doutrina Espírita se cerceamos a liberdade de quem deseja fazer crítica, e das boas, e mascaramos como bons certos ditados confusos, onde falta coerência e sobram palavras técnicas e muita ‘caridade’ e ‘amor’ num discurso vazio?

Diante de tudo o que foi visto acima, é fácil observar a importância da análise crítica de todas as informações, principalmente as mediúnicas. Até porque não é sem razão que o Codificador afirmou, em A Gênese, que a revelação espírita “é deduzida do trabalho do homem, da observação dos fatos que os Espíritos lhes põem sob os olhos pelas instruções que a ele dão, instruções estas que o homem estuda, compara e das quais tira ele mesmo as suas conclusões e aplicações”. [7]

Se quisermos fazer ‘evoluir’ o Espiritismo, devemos nos lembrar de que a doutrina deve caminhar como um navegante experiente, "de sonda nas mãos e consultando os ventos". Ou, nos dizeres de Herculano Pires, pela investigação humana, usando a metodologia da Ciência Espírita e consultando os espíritos, analisando, comparando e questionando os seus ensinos. Não de dois ou três, mas de vários.

Bibliografia:

[1] Kardec, Allan. Revista Espírita. Abril de 1860, p. 171. FEB.
[2] Idem, ibidem. Maio de 1860, p. 202.
[3] Idem, ibidem. Julho de 1860, p. 326.
[4] Idem, ibidem. Abril de1869, profissão de fé espírita americana, p. 150.
[5] Idem, ibidem. Julho de 1863, sobre as comunicações dos espíritos, p. 310.
[6] Idem. O Evangelho segundo o Espiritismo. Tradução de J. Herculano Pires, 61ª edição. São Paulo – LAKE, 2006, Introdução, p. 17.
[7] Idem. A Gênese, os milagres e as predições segundo o Espiritismo. Tradução de Victor Tollendal Pacheco; apresentação e notas de J. Herculano Pires. 21ª edição, São Paulo; LAKE, 2003, capítulo I, item 13, p. 15.
[8] Pires, José Herculano. A Pedra e o Joio.


* Artigo publicado na Revista Internacional de Espiritismo, na edição de Agosto de 2010.

6 comentários:

  1. Maravilha, Anderson!

    É isso aí: devemos ter senso-crítico, analisar tudo que lemos. Não dá pra acreditar em tudo sem avaliar a rela intensão, sem constatarmos que o "fruto" é bom.

    Tem muito "médium" novo publicando obras duvidosas por aí, algumas com evidente apelo comercial, sem assunto nobre de fundo.

    Será que descobriram um filão de mercado? Espero que não.

    Por isso continuo lendo mais os livros da FEB e de outras editoras que sei serem sérias.

    "Orai e vigiai".

    Que Jesus nos abençoe!

    Abraço,

    Irmão em Cristo (Juba)

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  2. Olá Anderson! A possibilidade de perguntar o porquê, é uma das coisas do espiritismo que me fascinam. A doutrina a toda hora é colocada à prova, e o senso crítico é sempre trabalhado. Isso eu levo tanto na literatura, como nas práticas espíritas realizadas nos centros.

    Bruno Justino do Nascimento

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  3. Tenho lido recentemente livros de Joanna D'Angellis, psicografado por Divaldo Franco. Como O Ser Consciente e O Homem Integral (ainda por terminar).

    Eles são realmente uma leitura profunda e especificada sobre a psicologia, psicogenese, e comportamentos, eu mesmo tive várias dificuldades de entendimento, mas da mesma forma se você pegar um livro de Jean Piaget, autor especialista em desenvolvimento cognitivo, ou outros autores, e não ter a habilidade nesta área, é ler, reler e tentar chegar as conclusões produtivas, buscando os significados das palavras nos dicionários, o contexto do texto. E tentar praticar pois ao meu ver a máxima é "Não aceitar sem refletir".

    Acredito que para colocar em prática sempre será através de muitos exercícios e suas as devidas observações.

    Fábio Queiroz

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  4. 903. Incorre em culpa o homem, por estudar os defeitos alheios?
    “Incorrerá em grande culpa, se o fizer para os criticar e divulgar, porque será faltar com a caridade. Se o fizer, para tirar daí proveito, para evitá-los, tal estudo poderá ser-lhe de alguma utilidade. Importa, porém, não esquecer que a indulgência para com os defeitos de outrem é uma das virtudes contidas na caridade. Antes de censurardes as imperfeições dos outros, vede se de vós não poderão dizer o mesmo. Tratai, pois, de possuir as qualidades opostas aos defeitos que criticais no vosso semelhante. Esse o meio de vos tornardes superiores a ele. Se lhe censurais a ser avaro, sede generosos; se o ser orgulhoso, sede humildes e modestos; se o ser áspero, sede
    brandos; se o proceder com pequenez, sede grandes em todas as vossas ações. Numa palavra, fazei por maneira que se não vos possam aplicar estas palavras de Jesus: Vê o argueiro no olho do seu vizinho e não vê a trave no seu próprio.”

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  5. Sergio, anota também esta citação:

    "É prestar um grande serviço à doutrina desmascarar os que dela abusam, ou que misturam seu nome a práticas ridículas. Os espíritas sinceros não podem senão aplaudir tudo o que tende a desembaraçar o Espiritismo dos parasitas de má-fé, seja qual for a forma pela qual se apresentem e que jamais passaram de pelotiqueiros e charlatães. " (KARDEC, Allan. Revista Espírita, Julho de 1867. Illiers e os espíritas).

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  6. As únicas coisas que sustentam as afirmações kardecista, são suas próprias obras.

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