sexta-feira, 13 de maio de 2011

Ideias Preconcebidas

Encontra-se na Revista Espírita de Maio de 1865 três ensaios muito interessantes assinados por um Espírito que se intitula Pascal, que foram psicografados em Lyon, em novembro de 1863, pelo médium Sr. X..., cujo primeiro é intitulado de Ideias Preconcebidas. Será este o que analisaremos neste artigo.

Pascal inicia esta mensagem reiterando um conselho sempre dado pelos Espíritos que orientavam os trabalhos de pesquisa e divulgação do Espiritismo à época de Kardec: o de investigarmos as comunicações que nos são dadas, submetendo-as à análise da razão. E depois o complementa com outro: de não tomarmos sem exame as inspirações que por vezes nos assaltam e nos agitam o Espírito, notadamente dos médiuns. Isto porque vivemos quase sempre entregues a tantas distrações que não conseguimos identificar as causas das influências que se impõem sobre nós.

O primeiro conselho tornou-se trabalho de rotina sem o qual nenhuma mensagem era aceita na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas antes de ser minuciosamente analisada. É possível encontrar esta orientação em todas as obras escritas por Kardec e pelos Espíritos, já que é uma das “regras” de ouro do Espiritismo.

Sobre o segundo conselho, Pascal ratifica a importância de estarmos atentos ao fato de que somos a todo instante influenciados tanto pelos pensamentos dos Espíritos desencarnados quanto pelos provenientes dos encarnados. Produzimos ideias a todo instante que vão sendo aperfeiçoadas, onde basta uma leitura, uma música, um estímulo para que ela exploda em nós como uma inspiração para algo.

O Espírito Pascal afirma que as ideias puras flutuam no espaço, de certa forma, segundo a conceituação platônica, e são levadas pelos Espíritos e nem sempre podem se alojar sozinhas no cérebro dos médiuns por encontrarem o lugar ocupado por ideias preconcebidas. Estas, sob o impulso da inspiração se espalham perturbando e transformando, mesmo que de maneira inconsciente, a ideia espiritual, que, de tão profunda, acaba totalmente desnaturada. Sobre a inspiração, ele informa o seguinte:

“A inspiração encerra dois elementos: o pensamento e o calor fluídico destinado a excitar o Espírito do médium, dando-lhe o que chamais a verve da composição.

E mais à frente ele esmiúça a origem destes dois elementos presentes na inspiração mediúnica:

“[...] A ideia vem do mundo extraterrestre – é a inspiração própria do Espírito. Quanto ao calor fluídico da inspiração, nós o encontramos e o tomamos em vós mesmos; é a parte quintessenciada do fluido vital em emanação; algumas vezes nós a tomamos do próprio inspirado, quando este é dotado de certo poder fluídico, ou mediúnico, como dizeis; na maioria das vezes nós o tomamos em seu ambiente, na emanação de benevolência, de que está mais ou menos cercado”.

É importante compreender que se a inspiração encontrar o lugar ocupado por uma ideia preconcebida, da qual o médium não deseja ou não pode abandonar, o pensamento dos Espíritos ficará sem um intérprete, sem poder comunicar o que deseja e o calor fluídico se perderá em estimular uma ideia que não pertence a eles.

Podemos entender desta forma, o porquê de algumas comunicações mediúnicas conterem termos estranhos que saltam aos olhos de qualquer examinador e que indicam uma fonte estranha à que assina o ditado. É este um dos motivos para estimularmos nos médiuns o cultivo de uma mente sadia, repleta de conhecimentos e vazia de preconceitos.

Encontramos neste ditado, também, uma definição interessante sobre o porquê de, muitas vezes, um palestrante não conseguir nos comover ou convencer como outro que realiza uma apresentação sobre o mesmo tema da mesma forma. Segundo Pascal:

“Só a ideia não bastaria ao homem, se não lhe desse o poder de exprimi-la. O calor é para a ideia o que o perispírito é para o Espírito, o que o vosso corpo é para a alma. Sem o corpo a alma seria impotente para agitar a matéria; sem o calor, a ideia seria impotente para comover os corações”.

Creio bastante interessante perceber a forma como os Espíritos nos auxiliam a transmitirmos uma ideia, e, também serve para tentar entender como determinados palestrantes e escritores espíritas, mesmo com ideias equivocadas, conseguem comover determinadas pessoas. Eles se aproveitam do ‘calor fluídico’ doado na inspiração pelos Espíritos, substituindo a ideia deles pelas suas, preconcebidas, e as divulgam com paixão, fervor contagiando outras pessoas.

Conforme inferimos da mensagem do Espírito que se intitula Pascal, as ideias que guardamos em nosso íntimo, muitas delas concebidas de forma apressada, a priori, sem o necessário estudo e exame são motivo de preocupação para os Espíritos. Principalmente com relação aos médiuns, indivíduos que tem uma missão toda especial e que precisam estar atentos a tudo o que cultivam em sua mente.

Estas ideias preconcebidas entravam a mensagem e tornam o médium alvo de dúvidas, quiçá, de suspeitas declaradas. Este é um dos motivos por várias mensagens já terem sido recusadas sob a suspeita de animismo. E neste caso a acusação teria fundamento.

Quantas ideias preconcebidas não guardamos em nosso íntimo? Quantas certezas não verificadas devidamente são tidas por nós como verdade inquestionável? Quantos médiuns já puderam avaliar criteriosamente até que ponto eles doaram de si ao converterem o pensamento dos Espíritos em linguagem falada ou escrita? E quantos ainda preferem ignorar a necessidade de passar por uma crítica severa tudo o que vier por via mediúnica ou não? Este o motivo que levou o autor a ditar esta comunicação. Pois, para ele:

“A conclusão desta comunicação é que jamais deveis abdicar de vossa razão, ao examinardes as inspirações que vos são submetidas. Quanto mais o médium tem ideias adquiridas, mas é ele susceptível de ideias preconcebidas, mais deve fazer tabula rasa de seus próprios pensamentos, abandonar as influências que o agitam e dar à sua consciência a abnegação necessária a uma boa comunicação”.

Esta conclusão também é motivo de grandes reflexões. Primeiro porque repete e reforça a importância de nunca ignorarmos o valor que tem o uso da razão para examinarmos as inspirações que nos chegam, da mesma forma que fazemos com as mensagens mediúnicas.

Segundo porque deixa claro que não devemos ter cuidado apenas com as comunicações provenientes de médiuns incultos e, por isto mesmo, sujeitos às mistificações, por não terem conhecimentos suficientes para uma análise cuidadosa do conteúdo de determinada mensagem. Mas, nos alerta para os cuidados que devemos ter em não subestimarmos as mensagens vindas por médiuns com mais conhecimentos. Não lançamos o descrédito àqueles que estudam com afinco a Doutrina e colocam em prática os seus ensinamentos morais, mas, para os que são susceptíveis de possuírem tantas ideias preconcebidas que elas sejam capazes de interferir tanto em uma mensagem falada ou escrita quanto em uma inspiração no momento de uma palestra.

E mais, reforça a importância de estar o médium sempre atento a tudo o que chega a ele, seja por via mediúnica, na psicografia, psicofonia ou na inspiração que o surpreende numa conversa informal. Como se pode observar são muitos os cuidados que devemos ter com as ideias preconcebidas, principalmente os médiuns.

Bons estudos!

2 comentários:

  1. Olá Anderson,

    O texto está muito bom e o tema é bem oportuno no momento atual do Movimento Espírita. Passemos tudo pelo crivo da razão. E se nossos conhecimentos forem limitados a ponto de não termos um *crivo* para poder passar tal ou qual novidade, façamos como recomenda Erasto: "É preferível repelir 10 verdades do que aceitar
    uma só mentira".

    Não há problema algum em rejeitarmos novidades se não as compreendemos. Mas, se aceitarmos novidades que não compreendemos, saímos da
    recomendação espírita de que nossa fé deva ser raciocinada. Fé sem compreensão, pode até ser fé, mas é cega.

    Nos últimos anos, textos envolvendo Física Quântica e conceitos espíritas tem surgido e encantado companheiros espíritas. Porém, como a Física Quântica é uma teoria complexa da Física, os comentários acima valem para esses textos: não se deve aceitar cegamente o que se diz em nome de uma teoria científica que não pudermos avaliar por desconhecimento. Por isso, é preferível rejeitá-los (como diz Erasto) do que correr o risco de aceitar teses equivocadas.

    Um abraço,
    Alexandre F. Fonseca

    ResponderExcluir
  2. Ótimo, Anderson! Quanta densidade na literatura kardeciana! Nos seus instrutores d´Além-Túmulo! E ainda querem que acreditemos que são necessárias as baboseiras das tais obras complementares e subsidiárias que por aí andam... eu hein!

    ResponderExcluir