segunda-feira, 31 de maio de 2010

Sobre o Estudo Comparado das Comunicações dos Espíritos

“Ele [o adepto, o médium] deve não somente esclarecer-se através de terceiros, mas também estudar todos os gêneros de comunicações, para aprender a compará-las” (Allan Kardec, [1], grifos nossos).

Nenhum espírita ignora que Kardec jamais abdicou de um expressivo rigor no trato das comunicações mediúnicas, principalmente naquilo que se refere aos sistemas ideológicos apresentados diversas vezes pelos desencarnados.

No texto colocado como epígrafe podemos observar que o cuidado de Kardec era o de alertar que o adepto, na leitura de qualquer livro ou texto, e os médiuns, em específico, estudassem os tipos de comunicações para que aprendessem a compará-las, realizando assim o primeiro controle qualitativo: o da razão.

Essa recomendação é vital porque mesmo que, conforme diz o ditado, quatro [ou mais] olhos vejam melhor do que dois, ainda assim não estamos dispensados da obrigação de pensar, de avaliar, de refletir. Os Espíritos não vieram para nos substituir naquilo que é responsabilidade nossa, mas para trabalhar conosco.

O estudo comparativo visa, justamente, preparar o indivíduo para melhor avaliar a informação recebida, principalmente, por via mediúnica. No capítulo X da segunda parte de O Livro dos Médiuns Kardec apresenta uma imprescindível classificação das comunicações mediúnicas, até porque, sendo infinita a variedade dos Espíritos no tocante à inteligência e moralidade, elas devem refletir a elevação ou a inferioridade de suas ideias, seu saber ou sua ignorância, seus vícios ou suas virtudes.

Um exemplo impactante do que dizemos está no capítulo XXIX, nº 346, 4º item, quando Kardec orienta que no tocante aos assuntos de estudo, para as sociedades espíritas, o “exame crítico e analítico das diversas comunicações” e a “discussão sobre os diversos problemas da ciência espírita” são uma fonte inestancável de elementos altamente valiosos e instrutivos.

Ainda afirma mais: “O valor da instrução que se recebe sobre qualquer desses assuntos, moral, histórico, filosófico ou científico depende inteiramente do estado do Espírito que se interroga. Caberá a nós o julgamento” [2].

Ou seja, o estudo comparado dos diversos gêneros de comunicações é de vital importância para a aceitação da mesma, tanto individualmente quanto por uma coletividade. E ainda reafirma a nossa responsabilidade de julgar e avaliar a qualidade da informação recebida, através da metodologia exposta na obra em destaque, conforme podemos deduzir deste trecho de A Gênese, obra lançada sete anos depois: “porque ela [a Doutrina Espírita] é deduzida do trabalho do homem, da observação dos fatos que os Espíritos lhes põem sob os olhos pelas instruções que a ele dão, instruções estas que o homem estuda, compara e das quais tira ele mesmo as suas conclusões e aplicações” [6].

Neste sentido J. Herculano Pires afirma que “Kardec sustentou sempre a necessidade de pesquisas para a comprovação de certos dados transmitidos por via mediúnica” [7] e o estudo comparado é uma delas.

Este assunto é tão importante que Kardec, para ratificar sua opinião – e a dos espíritos – escreveu o último capítulo de O Livro dos Médiuns sobre as dissertações dos espíritos. Nele, Kardec afirma que reuniu algumas comunicações espontâneas com a intenção de completar a instrução e confirmar os princípios expostos por toda a obra.

O número delas poderia ser maior, entretanto, ele preferiu aquelas que mais especificamente se referem ao futuro do Espiritismo, aos médiuns e às reuniões espíritas. São exemplos do gênero de comunicações sérias e servem, ao mesmo tempo, como instrução. No final do capítulo ele deu especial atenção às comunicações apócrifas com as observações necessárias para reconhecê-las.

Santo Agostinho, em uma destas mensagens, a de nº XVI, faz um alerta que cabe aqui para nossa reflexão:
“Aprendei a distinguir o joio do trigo. Semeai apenas o trigo e evitai espalhar o joio, porque este impedirá que o trigo germine e sereis responsáveis por todo o mal que decorrer disso. Assim, sereis responsáveis pelas doutrinas errôneas que divulgardes” [3].

Ela é bastante significativa. Será que nossos atuais editores espíritas refletem seriamente sobre isto quando estão analisando uma obra a ser lançada? E os médiuns, na ânsia de serem originais psicografando comunicações com informações quentinhas do mundo espiritual, mesmo quando incoerentes com os princípios espíritas, será que refletem sobra a sua responsabilidade?

As comunicações devem ser analisadas e comentadas cuidadosamente, avaliando as ideias apresentadas para saber se elas trazem um cunho de verdade. Esse exame quando feito com severidade é a melhor garantia contra a intromissão dos Espíritos mistificadores, garante Kardec.

O codificador também observa que a tática destes Espíritos é evitar a discussão quando se vêem combatidos de maneira vitoriosa por argumentos logicamente irresistíveis, recusando-se desdenhosamente a responder e determinam, ainda, que seus médiuns se afastem dos centros onde suas ideias não são aceitas. Graças a manobras sutis, que normalmente passam despercebidas, semeiam a dúvida, a desconfiança e a inimizade. Criticam a tudo e a todos sob a desculpa de interesse pela causa, formando grupinhos que logo rompem com a harmonia do conjunto.

Neste ponto é que entram as comunicações apócrifas, muitas vezes tão absurdas, embora assinadas por nomes que respeitamos, mas que o mais vulgar bom senso é capaz de demonstrar sua falsidade. Por outro lado, existem aquelas que conseguem disfarçar o erro pela mistura com princípios corretos de maneira tão sagaz que acabam iludindo e confundindo impedindo assim que se faça a distinção à primeira vista.

É por isso que, incontestavelmente, “submetendo ao crivo da razão e da lógica todas as informações e comunicações dos Espíritos, será fácil repelir o absurdo e o erro” [4].

Contudo, quando se estuda um texto sem se deixar influenciar, investigando o fundo dos pensamentos e o alcance das expressões, vendo recomendações pueris e ridículas ao lado de belas máximas seria preciso estar fascinado para ser enganado.

É por isso que Kardec deixa claro na sua última observação que só através de um estudo sério, metódico, com ajuda da experiência é que estaremos aptos a realizar um exame comparado. É ela, a experiência, que deve nos orientar em nossos estudos, nas análises das informações dos Espíritos, principalmente, porque quando uma verdade deve ser revelada à humanidade, ela é comunicada, por assim dizer, instantaneamente a todos os grupos sérios que possuem médiuns sérios e não a este ou aquele, com exclusão de todos os outros.

Até porque a malandragem dos Espíritos mistificadores ultrapassa, muitas vezes, tudo o que se possa imaginar. A arte com que dissimulam suas ideias, para melhor serem aceitos é digna de atenção. Entretanto, não podemos esquecer que não existem campos sem ervas daninhas para serem arrancadas pelo lavrador. E estas doutrinas errôneas, equivocadas são como pedras falsas que devemos aprender a distinguir, mas, somente um olho experiente consegue discernir com facilidade. Ensinam os Espíritos que, estando em um mundo ainda inferior, necessitamos de aprendizado para aprendermos a realizar esta distinção e que as falsas doutrinas têm a utilidade de nos exercitar na separação da verdade e do erro.

Desta forma, é justamente pelo fato de submetermos todas as comunicações a rigoroso exame, sondando e analisando cada ideia e expressão, em um estudo comparativo, à semelhança do que se faz em crítica literária e rejeitando tudo aquilo que seja contrário à lógica, aos conhecimentos científicos e espíritas atuais e ao bom senso que chegaremos à verdade. E é Kardec quem afirma que “este é o único meio, mas é infalível porque não existe comunicação má que resista a uma crítica rigorosa” [5]

Bons estudos!

Referências:
[1] Kardec, Allan. O Livro dos Médiuns. Tradução da 2ª edição francesa por J. Herculano Pires. São Paulo – LAKE, 2004, cap. XXIII, p. 223.
[2] Idem, ibidem, Cap. XXIX, p. 315.
[3] Idem, ibidem, Cap. XXXI, p. 336.
[4] Idem, ibidem, Cap. XXXI, p. 342.
[5] Idem, ibidem, Cap. XXIV, p. 236.
[6] ______________. A Gênese. Tradução de Victor Tollendal Pacheco; apresentação e notas de J. Herculano Pires. 21ª edição, São Paulo, LAKE – 2003, Cap. I, item 13, p. 15.
[7] Pires, J. Herculano. O Mistério do Ser ante a Dor e a Morte. 3ª edição. São Paulo – SP, Paidéia, 1996, p. 81.

Nota: este texto é um complemento às ideias apresentadas no artigo O Valor da Análise Crítica. E este mesmo texto foi publicado na edição de setembro de 2010 da Revista Internacional de Espiritismo.

4 comentários:

  1. Excelente artigo Anderson, eu apenas fico refletindo, para quem nós estamos escrevendo?
    Quando a maioria, procura apenas por superficialidades basta ver as comunidades do orkut e os liveos mais vendidos.
    Neste não se encontra obras basicas ou mesmo j. h. pires e sim romances.

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  2. Francisco, não podemos ignorar a 'minoria'.
    Saibamos fazer crescer, pelo exemplo, o número de espíritas que valorizam o estudo, mesmo sabendo ler um bom romance, mas que, conscientes de sua posição como espíritas, não ignoram sua responsabilidade na produção de conhecimento espírita.
    Abração.

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  3. Pois bem, Anderson. Ótimo artigo, e muito bem escrito. Mas, cá pra nós, penso que está muito "ortodoxo"... (hahaha) Desculpe a brincadeira. Não resisti. Deus te ilumine, sempre. abraço.

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  4. Anderson,

    É bem por aí. Um dos grandes problemas que encontramos é justamente a ideia de que "criticar" é desrespeitar, atacar, desabonar, etc. E, na verdade, ambos sabemos (e quem mais tenha tido qualquer contato, por mínimo que tenha sido, com a filosofia) que criticar é apenas uma forma de se compreender uma ideia, para, depois, aceitá-la ou não.

    Sei lá, isso talvez seja coisa típica de brasileiro. E, se for, então a dificuldade será maior ainda, porque não se trata de um problema exclusivo do movimento espírita, mas sim de algo sistêmico, próprio mesmo de uma formação deficiente, incompleta de todo um povo.

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